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- Mas, Ivan Denisovich, tu não oras com fervor. E é por isso que as tuas súplicas ficam sem resposta. Não deves deixar de dizer outras orações. Se tens fé autêntica, diz a uma montanha que se mova. E ela mover-se-á…
Shukov sorriu e enrolou outro cigarro. Depois pediu lume ao estoniano.
- Deixa-te de conversas, Aliosha. Nunca vi uma montanha mover-se. Bem, para ser franco, afirmo-te que nunca na minha vida vi uma montanha. Mas tu que oraste no Cáucaso com todo essa seita de baptistas a que pertences, viste alguma vez uma única que fosse, uma montanha mover-se?
Os pobres… Tudo o que faziam era orar a Deus. E que lucravam com isso? Apanhavam vinte e cinco anos, pois essa era a pena reservada actualmente a todos. Vinte cinco anos!
- Oh, nós não oramos por isso, Ivan Denisovich – volveu Aliosha com veemência.
De Bíblia na mão, aproximou-se mais de Shukov, até ficarem face a face.
- A única coisa deste mundo pela qual Deus nos ordenou que orássemos, Ivan Denisovich, é o pão nosso de cada dia. “Dai-nos o pão nosso de cada dia.”
- A nossa ração, queres tu dizer? - perguntou Shukhov.
Mas Aliosha não cedeu. Falando agora mais com os olhos do que com a língua, colocou a mão sobre o braço de Shukhov e disse:
- Ivan Denisovich, não deves orar com o objectivo de receberes encomendas ou obter uma sopa suplementar. Não, meu irmão. As coisas a que o homem dá mais valor são vis aos olhos do Senhor. Devemos orar pelas coisas do espírito, de maneira a que o senhor Jesus arranque resíduos do mal do nosso coração…

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