Avançar para o conteúdo principal
... não sei se percebo bem as exigências da geração à rasca, mas admito que o mercado de trabalho está mais fechado agora que antes, sobretudo para os recém-licenciados nos variadíssimos cursos que entretanto brotaram em Portugal na última década. Mas as suas expectativas não estarão um pouco desajustadas? O 'emprego para a vida' já nem na minha geração existia, excepto, talvez, para a função pública. A estabilidade não é uma garantia nem um direito: é algo que se conquista à custa de trabalho, produção e esforço. Pensemos, por exemplo, no mal que se trabalha em Portugal. A produtividade é baixa. Como podia ser alta no país que reúne durante três horas e demora quatro a almoçar? Já para não falar do pouco saudável que é misturar o trabalho com o convívio social, uma prática bem portuguesa e bastante detestável. Já não acontece tanto, mas ainda é uma realidade. Os relacionamentos de trabalho devem ser estritamente profissionais, o que não implica frieza nem distância. A delicadeza, a boa educação e a alegria fazem parte do profissionalismo. E não é delicado, nem bem-educado, nem alegre demorar uma pessoa durante horas. Soube no outro dia que o último grito em reuniões é tê-las de pé. Duram dez minutos. Vem do Japão. Em Portugal, só em empresas alemãs. A propósito, trabalhei numa empresa alemã e fui algumas vezes à Alemanha. O horário de trabalho era das oito da manhã às quatro da tarde, com duas pausas de dez minutos e meia-hora para almoço. As reuniões eram breves e ficar no escritório além da hora de saída era mal visto. Significava que o trabalhador não tinha sido capaz de dar conta do recado naquele espaço mais que suficiente de tempo. Alguém me explica como é que em Portugal se trabalha tantas horas e, mesmo assim, temos as dificuldades que temos? E se há falta de pessoal, como se justificam as queixas de quem se manifesta hoje?

Comentários

Pedro Leal disse…
"As reuniões eram breves e ficar no escritório além da hora de saída era mal visto. Significava que o trabalhador não tinha sido capaz de dar conta do recado naquele espaço mais que suficiente de tempo."
Ainda há pouco tempo conversava com alguém precisamente sobre este ponto. Cá faz-se precisamente o contrário: trabalhar pouco durante o horário normal e depois fazer horas-extra para o chefe ver. No fundo, vamos sempre dar ao mesmo ao ponto: menos responsabilidade individual e mais "boas obras" para estar de bem com quem tem o poder. Mas eu quero ser optimista e por isso acho as coisas estão a mudar. Devagarinho, mas estão a mudar.
Tiago Franco disse…
Pus o texto principalmente por causa desse pormenor. O quanto o que dizes é verdade. No entanto, também tenho experimentado o outro lado da facção. Os patrões, sabendo os funcionários que têm, querem-nos no local de trabalho o máximo de tempo possível para obter o máximo de trabalho "útil". Mas quem até tenta aproveitar o tempo de trabalho ao máximo também acaba por ter de trabalhar o "mesmo tempo" que os outros.

As acções de uns afectam os outros, arrastam-nos nalguma direcção, seja ela boa ou má. Tu escolheste bem as palavrinhas. É uma questão de "responsabilidade individual", para o bem colectivo.

Mensagens populares deste blogue

Una elocuente ilustración del lugar que desempeña la teología en la resistencia de la Iglesia al condicionamento social la provee el ejemplo de la iglesia confessante en su lucha contra el Nacional-socialismo en la Alemanha de Hitler. En palabras de E.H. Robertson, la resistencia cristiana a Hitler 'requeria una comprensión de la fe cristiana, una cuidadosa discriminación entre lo importante y lo trivial. Los que se resistían tenían que saber por quê valía la pena morir'. Uma ilustração eloquente do papel que a teologia desempenha na resistência da Igreja ao condicionamento social vem do exemplo da igreja confessional na sua luta contra o Nacional Socialismo na Alemanha de Hitler. Nas palavra de E.H. Robertson, a resistência cristã a Hitler "requeria uma compreensão da fé cristã, uma cuidadosa discriminção entre o que é importante e o que é trivial. Os que resistiam tinham de saber as coisas pelas quais valia a pena morrer".

Dois lados da hospitalidade

(…) a receptividade é apenas um lado da hospitalidade. O outro lado igualmente importante é o confronto. Ser receptivo ao estranho não significa de maneira nenhuma que devamos ser “ninguéns” neutros. A verdadeira receptividade exige confronto, pois o espaço só pode ser acolhedor quando existem claras, e fronteiras são limites entre os quais definimos a nossa posição. O confronto é o resultado da presença articulada, a presença dentro dos limites, do anfitrião para o hóspede, pela qual esse oferece como ponto de orientação e quadro de referência. Não estamos sendo hospitaleiros quando deixamos os estranhos em nossa casa para que a usem como quiserem. Uma casa vazia não é hospitaleira. De facto, logo se torna uma casa assombrada, fazendo o estranho sentir-se desconfortável. Em vez de perder os medos, o hóspede fica ansioso, suspeita de qualquer ruído vindo do sótão ou do porão. Para sermos realmente hospitaleiros, devemos não apenas receber os estranhos, mas também confrontá-los com uma
Nosso medo de ficar sozinhos impulsiona-nos para o barulho e para as multidões. Conservamos uma constante torrente de palavras mesmo que sejam ocas. Compramos rádios que prendemos ao nosso pulso ou ajustamos aos nossos ouvidos de sorte que, se não houver ninguém por perto, pelo menos não estamos condenados ao sliêncio. T.S. Eliot analisou muito bem a nossa cultura quando disse: ‘Onde deve ser encontrado o mundo em que ressoará a palavra? Aqui não, pois não há silêncio suficiente.’

Veio para ver, mas não comprar

During those days Fingerbone was strangely transformed. If one should be shown odd fragments arranged on a silver tray and be told, “That is a splinter from the True Cross, and that is a nail paring dropped by Barabbas, and that is a bit of lint from under the bed where Pilate’s wife dreamed her dream,” the very ordinariness of the things would recommend them. Every spirit passing through the world fingers the tangible and mars the mutable, and finally has come to look and not to buy. So shoes are worn and hassocks are sat upon and finally everything is left where it was and the spirit passes on, just as the wind in the orchard picks up the leaves from the ground as if there were no other pleasure in the world but brown leaves, as if it would deck, clothe, flesh itself in flourishes of dusty brown apple leaves, and then drops them all in a heap at the side of the house and goes on. So Fingerbone, or such relics of it as showed above the mirroring waters, seemed fragments of the quotidi

A sombra da cruz sobre o seu futuro

Conhece o leitor o quadro de Holman Hunt, líder da Irmandade Rafaelita, intitulado “A Sombra da Morte”? ele representa o interior da carpintaria de Nazaré. Jesus, nu até à cintura, está em pé ao lado da serra. Seus olhos estão erguidos ao céu, e seu olhar é de dor ou de êxtase, ou de ambas as coisas. Seus braços também estão estendidos acima da cabeça. O sol da tarde, entrando pela porta aberta, lança, na parede atrás dele, uma sombra negra em forma de cruz. A prateleira de ferramentas tem a aparência de uma trave horizontal sobre a qual as suas mãos foram crucificadas. As próprias ferramentas lembram os fatídicos prego e martelo. Em primeiro plano, no lado esquerdo, uma mulher está ajoelhada entre as aspas de madeira. Suas mãos descansam no baú em que estão guardadas as ricas dádivas dos magos. Não podemos ver a face da mulher, pois ela encontra-se virada. Mas sabemos que é Maria. Ela parece sobressaltar-se com a sombra em forma de cruz que seu filho lança na parede. (…) Embora a i
O que é o amor, em concreto? Não perguntes o que é sem este «em concreto», acabarás com arbitrariedades verbais, piedades, coisas vãs. O que é o amor em concreto, concreto como cimento, como betão, concreto como uma pedra, imagem tão diferente do complicado e impudico coração? O verbete «amor» fala em emoção, estética, ideologia, doença, e nada disso interessa agora mas apenas o amor em concreto, corpos, cortinas, cheiros, cães, o amor que com ou sem aspas mostramos aos outros para que acreditemos também, vejam a minha felicidade, a minha normalidade, a minha desistência. Com o teu amor concreto o mundo encontra uma base estável no meio dos vendavais. E agora suportas todas as decepções. O amor é um vício, uma gangrena, faz mais falta um amor concreto, hábitos, fotos, impostos, torneiras, é contra o amor que o amor concreto triunfa, onde estavas, amor, quando foste preciso, quando ela precisava, ao passo que eu estive sempre aqui ao seu lado? Que importam as tuas escaladas, os teus me
Para as pessoas habituadas a viver no domínio do subjectivo, as diferenças de doutrina não importam. O fim deles é formar a síntese. Só assim, para mim, se explica que Karl Barth pudesse, como fez no Concílio Ecuménico, em Amesterdão, dizer certas verdades fortes sobre ritos católico-romanos, sem cessar, no entanto, de falar da Igreja romana como sendo uma Igreja autêntica. (…) Uma vez que se penetra do mundo subjectivo, sem princípio objectivo de autoridade, e sobretudo com a tal concepção de síntese, não se pode considerar as diferenças de ordem teológica de outra forma senão como um “patamar” permitindo atingir uma verdade superior. Assim temos direito de afirmar que na realidade estes homens montaram a mais hábil das contrafacções do Cristianismo verdadeiro. Eles encontram-se, certamente, ainda mais afastados de nós que a Igreja católica-romana e mesmo que os modernistas.

Olhar o mar do alto de uma falésia

Olhar o mar do alto das arribas. Percorrer instintivamente, num olhar balanceado, todo o circuito do horizonte. Olhar em baixo o cavado das ondas com grandes veios de mármore, seguir-lhes o percurso até às rochas, vê-las estoirar contra elas e erguerem-se numa explosão alta de espuma ao retardador. Aspirar fundo o seu aroma genesíaco a infinitude, a espaço e solidão. Ouvir-lhe o fervor na caldeira do mundo. Sentir instantâneamente a distância da fragilidade e pequenez à imensidão poderosa e sem limites. Conhecer o azul ainda húmido no instante da sua criação. Recolher a saudação de outras terras e outras gentes que vem na aragem por sobre a extensão das águas. Ficar atento a um sinal indistinto que anuncia o começo do mundo. Entender a linguagem cifrada de um destino comum entre mar e céu. Olhar o mar do alto de uma falésia. Pensar  página 189  Vergílio Ferreira  1992 dC Editora: Bertrand