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Aqui dentro de casa



Foi há tantos anos, foi há dois mil anos
Que vi no amor o meu Cristo 
Que me mostraste um amor imprevisto 
Que me falaste na pele e no corpo a sorrir 

Meus olhos fechados, mudos, espantados 
Te ouviram como se apagasses 
A luz do dia ou a luta de classes 
Meus olhos verdes ceguinhos de todo para te servir 

Mariazinha fui, em Marta me tornei 
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei 

Filhos e cadilhos, panelas e fundilhos 
Meteste as minhas mãos à obra 
E encontraste momentos de sobra 
Para evitar que o meu corpo pensasse na vida 

Meus olhos fechados, mudos e cansados 
Não viam se verso, se prosa 
O meu suor era o teu mar de rosas 
Meus olhos verdes, janelas de vida fechados por ti 

Pegas-me na mão e falas do patrão 
Que te paga um salário de fome 
O teu patrão que te rouba o que come 
Falas contigo sozinho para desabafar 

Meus olhos parados, mudos e cansados 
Não podem ouvir o que dizes 
E fico à espera que me socializes 
Meus olhos verdes Boneca privada do teu bem estar 

Sou tua criada boa e dedicada 
Na praça, na casa e na cama 
Tu só vês quando vestes pijama 
Mas não me ouves se digo que quero existir 

Meus olhos cansados ficam acordados 
De noite chorando esta sorte 
De ser escrava prá vida e prá morte 
Meus olhos verdes Vermelhos de raiva para te servir 

A tua vontade, justiça igualdade 
Não chega aqui dentro de casa 
Eu só te sirvo para a maré vaza 
Mas eu já sinto a minha maré cheia a subir 

Meus olhos cansados abrem-se espantados 
Prá vida de que me falavas 
Pra combater contra os donos de escravas 
Meus olhos verdes Que te vão falar e que tu vais ouvir 

Mariazinha fui, em Marta me tornei 
Sei aquilo que fui e que jamais serei 

Intérprete: José Mário Branco
1972 dC

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