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A mostrar mensagens de 2018

O patriota cósmico - 2

Suponhamos que somos confrontados com uma realidade desesperante – como Pimlico, por exemplo. Se meditarmos no que é realmente o melhor para Pimlico, chegaremos à conclusão de que o fio do raciocínio nos conduz ao trono, ou ao misticismo e à arbitrariedade. Não basta uma pessoa ter uma visão negativo de Pimlico, porque, nesse caso, limitar-se-á a dar um tiro na cabeça, ou a mudar de casa e ir viver para Chelsea. Também não basta, evidentemente, uma pessoa ter uma visão positiva de Pimlico, porque, nesse caso, Pimlico continuará a ser o que é, o que seria péssimo. A única maneira de sair disto parece ser amar Pimlico, amar este bairro com uma ligação transcendental e sem qualquer motivação de natureza mundana. Se aparecesse outro homem que amasse Pimlico, aí se construiriam torres de Marfim e pináculos de ouro; Pimlico ataviar-se-ia como se ataviam as mulheres apaixonadas. Porque a decoração não serve para esconder coisas horríveis, mas para decorar coisas que já são adoráveis. Uma mãe

O patriota cósmico - 1

Afirmei, no capítulo anterior, que é nos contos de fadas que melhor se exprime a sensação de fundo de que este mundo é estranho, sem deixar de ser atractivo. O leitor poderá, se quiser, considerar que a fase seguinte é a daquele estilo de literatura belicosa, que chega por vezes a ser patrioteira, que costuma seguir-se na história de vida de um rapaz. Todos nós devemos grande parte das nossas mais sólidas noções morais aos romances de cordel. Seja por que razão for, sempre me pareceu, e continua a parecer-me, que a melhor maneira de exprimirmos a nossa atitude em relação à vida não é em termos de crítica e aprovação, mas em termos de uma espécie de lealdade militar. A minha aceitação do universo não é optimista, é mais uma espécie de patriotismo. É uma questão de lealdade básica. O mundo não é uma pensão de Brighton, de onde possamos pensar ir-nos embora por ser uma pensão miserável. O mundo é a fortaleza da nossa família, com a bandeira erguida no alto do torreão e, quanto mais mise

Coexistência com o inaceitável

Na opinião do crítico, estava efectivamente implícito! E voltou a elogiar a pujança criativa do realizador, a beleza das imagens, lentas, impregnadas de inquietação poética, misteriosas como os arpejos de uma harpa sem cordas; a rudeza da montagem que talvez se pudesse definir como neo-nouvelle vague ; e sobretudo a parcimónia do diálogo, admiravelmente reduzido ao essencial, atingindo o silêncio absoluto no violento clímax emocional que se despoletava na sequência da decapitação do sedutor, à porta do apartamente de Picadilly Circus: um choque inesperado e brutal de duas classes e duas culturas! - Mas eu não vi nada disso... - balbuciei, já um pouco aterrado com a minha eventual deficiência na observação de todas essas subtilezas... - É o que está im... im... implícito na sequência do u... u... urinol! - finalizou o crítico. Acatei com artificioso respeito a argumentação técnica do especialista, conquanto continuasse a achar, de mim para mim, que se tratava de um filme hediondo

Diferenças entre as religiões inglesa e portuguesa

Foi com viva emoção que assisti pela primeira vez a uma cerimónia religiosa na abadia de Westminster. Encantou-me a distinção natural, a sóbria elegância do vestuário, a dignidade daqueles fiéis que, de pé, afinadíssimos, entoavam: «Aleluia! Aleluia!...», e não pude evitar uma expressão escarninha, mista de ironia, sarcasmo e até algum nojo, ao pensar nos formigames de andrajos, de pústulas, de aleijões, que se arrastam pelas estradas lusitanas, mesclando-se em massas híbridas e descomunais de povaréu lamuriento, conclaves mundiais de moléstias e pedinchice, no charnequenho lugar da Cova da Iria!... Nem a honrosa presença de altíssimos dignatários da diplomacia mundial, de governantes ilustres, de prestigiadas individualidades da vida civil e militar, das mais imponentes e paramentadas figuras da hierarquia clerical, do próprio Papa, que também já por lá andou a suportar, com assinalável estoicismo, capaz de se infectar, a proximidade promíscua do magote insalubre, a escutar e mesmo

Aprender a lidar com as coisas

I know now about helplessness-of what to do when there is nothing to do. I have learned coping. We live in a time and place where, over and over, when confronted with something unpleasant we pursue not coping but overcoming. Often we succeed. Most of humanity has not enjoyed and does not enjoy such luxury. Death shatters our illusion that we can make do without coping. When we have overcome absence with phone calls, winglessness with airplanes, summer heat with airconditioning- when we have overcome all these and much more besides, then there will abide two things with which we must cope: the evil in our hearts and death. There are those who vainly think that some technology will even enable us to overcome the former. Everyone knows that there is no technology for overcoming death. Death is left for God’s overcoming.

As horas em que ficamos acordados de noite

As horas em que ficamos acordados de noite, às vezes, são as alturas em que fazemos os planos mais significativos para a nossa vida. Têm grande potencial - para o bem ou para o mal! É nessas horas que a classe rica de Israel e Judá faz planos para se apropriar de terras. A Sós Com Deus

Pastor ou proprietário de gado?

Apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntáriamente; nem por torpe ganâcia, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho; e, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa de glória. I Pedro 5:2-4

Uma ordem chocante - 2

Levenson argumenta que só podemos entender a ordem de Deus a Abraão tendo em conta esse pano de fundo cultural. A Bíblia afirma, repetidas vezes, que, devido ao pecado dos israelitas, a vida dos seus primogénitos estará automaticamente perdida, embora possa ser resgatada através de sacrifícios regulares (Êxodo 22:28; 34:19-20) ou, enter os levitas, do serviço ao tabernáculo (Números 3:40-41), ou ainda através do pagamento de um resgate ao tabernáculo e aos sacerdotes (Êxodo 3:46-48). Quando Deus submeteu o Egipto a juízo, por ter escravizado os israelitas, o seu último castigo consistiu em matar os seus primogénitos. A vida dos seus primogénitos estava perdida, devido aos pecados das suas famílias e da nação. Porquê? O filho primogénito era a família. Por isso, quando Deus disse aos israelitas que a vida do primogénito lhe pertencia, a menos que fosse resgatada, estava a dizer, da forma mais viva possível, naquelas culturas, que cada família da terra tinha uma dívida para com a justiça

Uma ordem chocante - 1

Muitos leitores, ao longo dos tempos, têm levantado objecções compreensíveis a este relato. Têm interpretado a «moral» desta história como significando que fazer coisas cruéis e violentas é bom, desde que se acredite que essa é a vontade de Deus. Nunca ninguém falou de forma tão expressiva acerca deste assunto como Søren Kierkegaard, cujo livro Temor e Tremor se baseia na história de Abraão e Isaac. A conclusão derradeira de Kierkegaard é a de que a fé é irracional e absurda. Abraão pensou que aquela ordem não fazia sentido nenhum, contradizendo tudo o mais que Deus alguma vez dissera, mas obedeceu a essa ordem. Será que aquela ordem parecera completamente irracional a Abraão? A interpretação feita por Kierkegaard deste episódio não toma em conta o significado do filho primogénito, segundo o pensamento e simbolismo judeus. Jon Levenson, erudito judeu, professor em Harvard, escreveu A morte e a ressurreição do filho amado . Nesse volume, ele recorda-nos que as culturas antigas não era

Artistas com empregos normais - 2

Did you seriously consider doing something else instead of music? I built some stuff. There’s something about holding tools in your hand, it’s not like holding a melody in your head, where it’s like vapor. When you are tangibly making something, like a chair, you can either sit on it, or it collapses. There is no, “Do you like it?” I built a deck on my roof and a screen porch off of my cabin in the country, actually stretching screen on frames and friction fitting them into the holes. It was the most satisfying thing I’ve ever done.

Artistas com empregos normais - 1

But then there is another category of artists-with-jobs: people whose two professions play off each other in unexpected ways. For these creators, a trade isn’t just about paying the bills; it’s something that grounds them in reality. In 2017, a day job might perform the same replenishing ministries as sleep or a long run: relieving creative angst, restoring the artist to her body and to the texture of immediate experience. But this break is also fieldwork. For those who want to mine daily life for their art, a second job becomes an umbilical cord fastened to something vast and breathing. The alternate gig that lifts you out of your process also supplies fodder for when that process resumes. Lost time is regained as range and perspective, the artist acquiring yet one more mode of inhabiting the world.

The Weight of Glory - 13

(...) Entretanto, a cruz vem antes da coroa e amanhã é segunda-feira de manhã. Abriu uma fenda nas muralhas impiedosas do mundo, e somos convidados a seguir o nosso Capitão lá para dentro. Segui-Lo é, obviamente, o ponto essencial. E assim sendo, poderá ser perguntado sobre qual a aplicação prática destas especulações com que nos temos presenteado. Consigo lembrar-me de pelo menos uma aplicação. É possível que cada um pense demasiado na sua potencial glória na próxima vida; é mais dificilmente possível que se pense o mesmo com demasiada frequencia ou profundidade em relação ao seu próximo. A carga, ou o peso, ou o fardo da glória do meu próximo deve ser depositada nas minhas costas, uma carga tão pesada que só a humildade pode carregá-la, e as costas dos orgulhosos cederão. É uma coisa séria viver numa sociedade de possíveis deuses e deusas, lembrar que a pessoa mais aborrecida e desinteressante com que possas ter falado, um dia poderá ser uma criatura que, se a visses agora, sentir-

The Weight of Glory - 12

(...) E quando lá chegarmos, além da Natureza, comeremos da árvore da vida. De momento, somos renascidos em Cristo, o espírito em nós vive directamente em Deus; mas a mente, e ainda mais o corpo, recebe vida d'Ele através de mil subtracções – através dos nossos antepassados, através da nossa comida, através dos elementos. Os resultados débeis e distantes dessas energias que o êxtase criativo de Deus implantou na matéria quando Ele fez os mundos são o que agora chamamos de prazeres físicos; e mesmo que filtrados, eles são demasiado para o que conseguimos lidar actualmente. Como seria provar na fonte aquele regato do qual até estas coisas menores se mostram intoxicantes. Ainda assim, creio eu, isso é o que jaz diante de nós. O homem completo é feito para beber alegria da fonte da alegria. Como disse Santo Agostinho, o êxtase da alma salva "fluirá" para o corpo glorificado. À luz dos nossos apetites actuais especializados e depravados, não conseguimos imaginar esta torrens

The Weight of Glory - 11

(...) E isto traz-me para o outro sentido para glória – glória enquanto brilho, esplendor, luminosidade. Devemos brilhar como o sol, a Estrela Vespertina ser-nos-á oferecida . Penso que comecei a perceber o que isso significa. Por um lado, claro, Deus já nos ofereceu a Estrela Verpertina: uma pessoa pode sair e desfrutar da oferta por muitas belas manhãs, se se levantar cedo o suficiente. Mas o que é que, poderão perguntar, nós queremos? Ah, mas nós queremos muito mais do que isso – algo a que os livros de estética pouco se dedicam. Mas os poetas e as mitologias sabem tudo sobre o assunto. Não queremos apenas ver a beleza, embora, sabe Deus, até esse seja um prémio suficiente. Queremos outra coisa, que dificilmente pode ser exprimida por palavras – estar unidos com a beleza que vemos, passar para ela, recebê-la em nós, banharmo-nos nela, tornarmo-nos parte dela. É por isso que povoámos o ar, a terra e a água com deuses e deusas, e ninfas e elfos – que, embora nós não possamos, no ent

Escolher um carro

O meu interlocutor, um homem de meia-idade, foi buscar um catálogo, a fim de me permitir escolher o modelo, mas a última coisa que me estava a apetecer era consultar catálogos, por isso tratei de lhe explicar que precisava de um carro para quando andasse às compras. Não planeava utilizá-lo na autoestrada, nem para levar a namorada a passear. Não precisava de uma viatura com um motor potente, nem com ar condicionado, rádio, tecto de abrir ou pneus topo de gama. Disse-lhe mais: queria um modelo pequeno, que gastasse pouco e não libertasse muito fumo pelo tubo de escape, que não fosse demasiado ruidoso e não me deixasse ficar no meio da estrada. No que dizia respeito à cor, caso tivessem algum azul-marinho, seria perfeito. O vendedor propôs-me um carro utilitário, amarelo, de fabrico japonês. A cor não me entusiasmava por aí além; contudo, assim que o experimentei, percebi logo que estava na presença de uma viatura fiável e que andava bem. Além disso, gostei do design, inspirado em linha

The Weight of Glory - 10

(...) Talvez pareça um tanto rude descrever glória enquanto o facto de Deus "reparar" em nós. Mas esta é praticamente a linguagem do Novo Testamento. Paulo promete àqueles que amem Deus, não como nós esperaríamos, que conhecerão Deus, mas que serão conhecidos por Ele . É uma estranha promessa. Então Deus não conhece todas as coisas a toda a hora? No entanto, ressoa terrivelmente noutra passagem do Novo Testamento. Nela somos avisados que poderá acontecer a qualquer um de nós quando nos apresentarmos finalmente diante de Deus ouvir a palavras implacáveis: " Nunca te conheci. Aparta-te de mim ". Em certo sentido, tão obscuro para o intelecto quanto insuportável para os sentimentos, tanto podemos ser banidos da presença d'Aquele que está presente em todo lado, como apagados do conhecimento d'Aquele que conhece tudo. Nós podemos ser completa e absolutamente deixados de fora – repelidos, exilados, alienados, final e inexprimivelmente ignorados. Por outro lado,

Escolher um sofá

(...) O sofá é muito confortável, nem demasiado mole, nem demasiado duro. Além do mais, a almofada adapta-se na perfeição à minha cabeça. Habituado que estou a trabalhar em qualquer lugar, sei do que falo quando digo que nem sempre é fácil encontrar um sofá cómodo onde valha a pena repousar o corpinho quando chega a hora de passar pelas brasas. Os sofás, na sua maioria, são comprados ao acaso, sem qualquer critério, revelando-se, até mesmo no caso dos mais luxuosos, uma autêntica decepção assim que a pessoa experimenta deitar-se em cima deles. Isto para dizer que poucos são os que realmente valem a pena. Não compreendo como é que, na hora de comprar um sofá, as pessoas podem dar-se ao luxo de ser tão pouco exigentes. Defendo a teoria – ainda que tal possa não passar de um proconceito da minha parte – de que a escolha de um sofá diz muito acerca do seu proprietário. Um sofá constitui, à sua maneira, um mundo compacto e inviolável. Isso, porém, é uma coisa que só aqueles que cresceram c

The Weight of Glory - 9

(...) E agora reparem no que está a acontecer. Se eu tivesse rejeitado a imagem escritural e autoritativa de glória, e ficado obstinadamente bloqueado no desejo vago que, no início, era a minha única pista para o Céu, poderia não ter encontrado de todo a ligação entre esse desejo e a promessa cristã. Mas agora, tendo seguido nos textos sagrados o que parecia ser confuso e repelente, descubro, para minha grande surpresa, olhando para trás, que a ligação é claríssima. Glória, aquela pela qual o Cristianismo me ensina a esperar, satisfaz afinal o meu desejo original e, na verdade, revela um elemento desse desejo em que eu não tinha reparado. Ao deixar de considerar, por um momento, o meu próprio querer, comecei a perceber melhor o que eu realmente queria. Quando tentei, há alguns minutos atrás, descrever os nossos anseios espirituais, acabei por omitir uma das suas características mais curiosas. Geralmente reparamos nela assim que a visão esmorece, que música termina, ou que a paisagem

Causas de uma adesão religiosa nominal

Também devo dizer que, com uma vulgarização de escolas evangélicas, também ocorre um fenómeno que é uma adesão religiosa nominal dentro do próprio protestantismo. No Brasil é possível ser “batista” e ser uma treta de crente. Em Portugal, a rigor, também é, mas é mais improvável. Os batistas no Brasil são assim uma espécie de evangélicos respeitados (provavelmente como os presbiterianos) e deu para sentir que, apesar de amar a minha denominação, no Brasil ela cheira-me aqui e ali a um tipo de superficialidade que em Portugal gostamos de apontar aos católicos.

The Weight of Glory - 8

(...) Não estou a esquecer-me do quanto este desejo tão inocente é parodiado nas nossas ambições humanas, ou no quão rapidamente, na minha experiência, o legítimo prazer de agradar aqueles a quem era meu dever agradar se transforme no veneno mortal da auto-admiração. Mas acho que conseguia detectar um instante – um curto, curto instante – antes disto acontecer, durante o qual a satisfação de ter agradado aqueles a quem acertadamente amei, e acertadamente temi, era pura. E isto é suficiente para pensarmos sobre o que pode acontecer quando a alma redimida, para além de toda a esperança, e de quase toda a crença, descobre por fim que agradou Aquele para o qual ela foi criada para agradar. Então, não haverá espaço para vaidade. Será libertada da miserável ilusão de que foi pelo seu esforço. Sem qualquer mancha daquilo a que agora chamamos auto-aprovação, ela irá alegrar-se inocentemente naquilo que Deus a criou para ser, e a ocasião que curará o seu velho complexo de inferioridade para s

The Weight of Glory - 7

(...)  De seguida, viro-me para a ideia de glória. Não há forma de escapar ao facto de que esta ideia é bastante proeminente no Novo Testamente e nos primeiros escritos cristãos. Salvação está constantemente associada a palmeiras, coroas, roupões brancos, tronos e esplendor como o do sol e das estrelas. Tudo isto não me causa nenhum apelo imediato, e a esse respeito, imagino que eu seja um típico moderno. Glória sugere-me duas ideias, das quais uma parece-me perversa, e a outra ridícula. Para mim, glória significa ou fama ou luminosidade. Em relação à primeira, como ser famoso significa ser mais conhecido do que as outras pessoas, vejo o desejo pela fama como uma paixão competitiva, e como tal, mais do Inferno do que do Céu. Em relação à segunda, quem é que deseja tornar-se numa espécie de lâmpada eléctrica viva? Quando comecei a debruçar-me sobre este assunto fiquei bastante surpreendido por deparar-me com cristãos tão diferentes quanto Milton , Johnson e Tomás de Aquino a