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O patriota cósmico - 2

Suponhamos que somos confrontados com uma realidade desesperante – como Pimlico, por exemplo. Se meditarmos no que é realmente o melhor para Pimlico, chegaremos à conclusão de que o fio do raciocínio nos conduz ao trono, ou ao misticismo e à arbitrariedade. Não basta uma pessoa ter uma visão negativo de Pimlico, porque, nesse caso, limitar-se-á a dar um tiro na cabeça, ou a mudar de casa e ir viver para Chelsea. Também não basta, evidentemente, uma pessoa ter uma visão positiva de Pimlico, porque, nesse caso, Pimlico continuará a ser o que é, o que seria péssimo. A única maneira de sair disto parece ser amar Pimlico, amar este bairro com uma ligação transcendental e sem qualquer motivação de natureza mundana. Se aparecesse outro homem que amasse Pimlico, aí se construiriam torres de Marfim e pináculos de ouro; Pimlico ataviar-se-ia como se ataviam as mulheres apaixonadas. Porque a decoração não serve para esconder coisas horríveis, mas para decorar coisas que já são adoráveis. Uma mãe não põe uma fita azul no filho porque ele fica feiíssimo sem ela. E um namorado não oferece um colar à namorada para ela esconder o pescoço. Se as pessoas amassem Pimlico como as mães amam os seus filhos – de forma arbitrária, porque são os filhos delas – dentro de um ou dois anos Pimlico seria mais belo do que Florença.


Alguns leitores dirão que estou simplesmente a fantasiar. E eu respondo que não, que isto é a história da humanidade. Foi assim que as cidades se tornaram grandiosas. Recuemos às mais obscuras raízes da civilização e verificaremos que elas se encontram enroscadas em redor de uma pedra sagrada ou de um poço sagrado. As pessoas começaram a prestar homenagem a um local e, a seguir, conquistaram glórias em sua honra. Os romanos não amavam Roma pelo facto de ser uma grande cidade; foi porque a amavam que Roma se tornou uma grande cidade.

*Pimlico e Chelsea são dois bairros de Londres, o primeiro relativamente pobre, o segundo razoavelmente elegante.

Ortodoxia
página 93
Gilbert Keith Chesterton
1908 dC
Editora: Alêtheia

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