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A mostrar mensagens de julho, 2018

O patriota cósmico - 2

Suponhamos que somos confrontados com uma realidade desesperante – como Pimlico, por exemplo. Se meditarmos no que é realmente o melhor para Pimlico, chegaremos à conclusão de que o fio do raciocínio nos conduz ao trono, ou ao misticismo e à arbitrariedade. Não basta uma pessoa ter uma visão negativo de Pimlico, porque, nesse caso, limitar-se-á a dar um tiro na cabeça, ou a mudar de casa e ir viver para Chelsea. Também não basta, evidentemente, uma pessoa ter uma visão positiva de Pimlico, porque, nesse caso, Pimlico continuará a ser o que é, o que seria péssimo. A única maneira de sair disto parece ser amar Pimlico, amar este bairro com uma ligação transcendental e sem qualquer motivação de natureza mundana. Se aparecesse outro homem que amasse Pimlico, aí se construiriam torres de Marfim e pináculos de ouro; Pimlico ataviar-se-ia como se ataviam as mulheres apaixonadas. Porque a decoração não serve para esconder coisas horríveis, mas para decorar coisas que já são adoráveis. Uma mãe ...

O patriota cósmico - 1

Afirmei, no capítulo anterior, que é nos contos de fadas que melhor se exprime a sensação de fundo de que este mundo é estranho, sem deixar de ser atractivo. O leitor poderá, se quiser, considerar que a fase seguinte é a daquele estilo de literatura belicosa, que chega por vezes a ser patrioteira, que costuma seguir-se na história de vida de um rapaz. Todos nós devemos grande parte das nossas mais sólidas noções morais aos romances de cordel. Seja por que razão for, sempre me pareceu, e continua a parecer-me, que a melhor maneira de exprimirmos a nossa atitude em relação à vida não é em termos de crítica e aprovação, mas em termos de uma espécie de lealdade militar. A minha aceitação do universo não é optimista, é mais uma espécie de patriotismo. É uma questão de lealdade básica. O mundo não é uma pensão de Brighton, de onde possamos pensar ir-nos embora por ser uma pensão miserável. O mundo é a fortaleza da nossa família, com a bandeira erguida no alto do torreão e, quanto mais mise...

Coexistência com o inaceitável

Na opinião do crítico, estava efectivamente implícito! E voltou a elogiar a pujança criativa do realizador, a beleza das imagens, lentas, impregnadas de inquietação poética, misteriosas como os arpejos de uma harpa sem cordas; a rudeza da montagem que talvez se pudesse definir como neo-nouvelle vague ; e sobretudo a parcimónia do diálogo, admiravelmente reduzido ao essencial, atingindo o silêncio absoluto no violento clímax emocional que se despoletava na sequência da decapitação do sedutor, à porta do apartamente de Picadilly Circus: um choque inesperado e brutal de duas classes e duas culturas! - Mas eu não vi nada disso... - balbuciei, já um pouco aterrado com a minha eventual deficiência na observação de todas essas subtilezas... - É o que está im... im... implícito na sequência do u... u... urinol! - finalizou o crítico. Acatei com artificioso respeito a argumentação técnica do especialista, conquanto continuasse a achar, de mim para mim, que se tratava de um filme hediondo...

Diferenças entre as religiões inglesa e portuguesa

Foi com viva emoção que assisti pela primeira vez a uma cerimónia religiosa na abadia de Westminster. Encantou-me a distinção natural, a sóbria elegância do vestuário, a dignidade daqueles fiéis que, de pé, afinadíssimos, entoavam: «Aleluia! Aleluia!...», e não pude evitar uma expressão escarninha, mista de ironia, sarcasmo e até algum nojo, ao pensar nos formigames de andrajos, de pústulas, de aleijões, que se arrastam pelas estradas lusitanas, mesclando-se em massas híbridas e descomunais de povaréu lamuriento, conclaves mundiais de moléstias e pedinchice, no charnequenho lugar da Cova da Iria!... Nem a honrosa presença de altíssimos dignatários da diplomacia mundial, de governantes ilustres, de prestigiadas individualidades da vida civil e militar, das mais imponentes e paramentadas figuras da hierarquia clerical, do próprio Papa, que também já por lá andou a suportar, com assinalável estoicismo, capaz de se infectar, a proximidade promíscua do magote insalubre, a escutar e mesmo ...

Aprender a lidar com as coisas

I know now about helplessness-of what to do when there is nothing to do. I have learned coping. We live in a time and place where, over and over, when confronted with something unpleasant we pursue not coping but overcoming. Often we succeed. Most of humanity has not enjoyed and does not enjoy such luxury. Death shatters our illusion that we can make do without coping. When we have overcome absence with phone calls, winglessness with airplanes, summer heat with airconditioning- when we have overcome all these and much more besides, then there will abide two things with which we must cope: the evil in our hearts and death. There are those who vainly think that some technology will even enable us to overcome the former. Everyone knows that there is no technology for overcoming death. Death is left for God’s overcoming.