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Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2020

Gula na oração

Aqueles de que falamos agem do mesmo modo na oração. Imaginam que ela consiste inteiramente no prazer e na devoção sensível que aí possam encontrar. Tentam achar esse prazer, como se costuma dizer, à força de braços; cansam-se e escondem a cabeça inutilmente. Quando verificam que nada conseguiram, ficam totalmente abatidos; imaginam que nada fizeram. A sua pretensão levou-os a perderem a verdadeira devoção e o espírito e oração sobrenatural que consiste em perseverar na paciência e na humildade, na desconfiança de si mesmo e no desejo único de agradar a Deus. Também acontece que, quando não encontram prazer neste ou naquele exercício de piedade, sentem um desgosto extremo; sentem repugnância em se entregarem de novo a esse exercício e, às vezes, chegam ao ponto de o abandonar. São, como já dissemos, parecidos com crianças pequenas; não se movem nem actuam de acordo com a razão, mas de acordo com a sensualidade. Passam todo o tempo à procura e alegria e das consolações espirituais. Nunc

Gula nos exercícios espirituais

Por outro lado o Demónio seduz tão bem um grande número que os leva à gula, excitando os seus prazeres e os seus apetites. Esses iniciantes são incapazes de lhe resistir. Alteram a ordem que lhes é dada; aumentam -na, ou modificam-na porque a obediência neste ponto se lhes torna um jugo muito duro e demasiado estreito; alguns chegam mesmo a um tal extremo que, pelo simples facto de irem por obediência a certos exercícios de piedade, perdem o gosto e a devoção de os cumprir. Não tem outro gosto e outro desejo que o de seguir a sua própria inclinação. Por isso seria talvez melhor para eles se não cumprissem tais exercícios de piedade.  Vereis muitos deles insistindo junto dos seus mestres espirituais para obterem o que lhes agrada e, em parte à força, arrancam o seu consentimento. Quando não o conseguem, deixam-se cair na tristeza como crianças, ficam de mau humor e imaginam que não servem Deus quando não os deixam seguir os seus caprichos. Como estão apegados aos seus gostos e à sua pró

Há gente que é pessoa

Pelas minhas contas, temos: pessoas, gente, povo e humanidade. O pior são as pessoas, claro, e o melhor é a humanidade. As pessoas não usam setas no trânsito; a humanidade foi à Lua. A humanidade é tão digna que, muitas vezes, aparece grafada com h grande: a Humanidade. Isso nunca aconteceu às pessoas, e bem. Não faz sentido escrever que as pessoas deitam lixo para o chão (coisa que a Humanidade, aliás, nunca faria). As pessoas raramente merecem a honra da maiúscula. Em geral, são referidas no fim da conversa, em tom de lamento, "Realmente, as pessoas...", e sempre com p pequeno. A gente talvez esteja num patamar acima, mas não muito. Há gente muito estúpida. O que é normal, dado que a gente costuma ser formada por muitas pessoas. Mas, apesar de tudo, às vezes é possível confiar na gente, e até desejar combinar um programa com ela, como fica claro na frase: "Então, gente, vamos sair?" Um convite que, não por acaso, nunca é feito às pessoas. O povo já é outra coisa

O privilégio do exílio

Todos nós admiramos e respeitamos um adversário ou inimigo político de um regime opressor e que tivesse por isso de se exilar. Mas só se lhe reconhecemos o privilégio de ter direito a isso como às classes favorecidas a vivenda ou o automóvel. Que diríamos de um simples cavador que também se arrogasse a importância de se exilar? Pensar  Página 179  Vergílio Ferreira  1992 dC  Editora: Bertrand

A primeira pedra do que és

Quase tudo o que vais sendo vem no impulso que te move. Não apenas quando a cólera é esse impulso, ou o disparate que se te adianta, ou um sentimento qualquer que é de mais. Mesmo a arte, o pensar, o escrever. Porque o todo que em ti resulta, vem da pedra fundamental que para ele escolheste ou te calhou para o início desse todo. Há um puzzle a organizar e que não sabes e está em ti. O resto vai sendo o que tu pensas ou vai pensando por si e o que te pertence não é bem o que supunhas que estava em ti, mas o que se revela desse estar. Depois só te resta o espanto ou a alegria ou o desapontamento de saberes o que não sabias que sabias ou não. Sê prudente e sem pressa. Vê se é possível escolheres a pedra sobre a qual erguerás o edifício. É por isso que há sempre uma cerimónia quando se põe a «primeira pedra», que é posta normalmente por uma «entidade», para que o seu prestígio contamine o edifício todo. E é por isso talvez também que essa «entidade» não está sempre à altura da cerimónia e