Aqueles de que falamos agem do mesmo modo na oração. Imaginam que ela consiste inteiramente no prazer e na devoção sensível que aí possam encontrar. Tentam achar esse prazer, como se costuma dizer, à força de braços; cansam-se e escondem a cabeça inutilmente. Quando verificam que nada conseguiram, ficam totalmente abatidos; imaginam que nada fizeram. A sua pretensão levou-os a perderem a verdadeira devoção e o espírito e oração sobrenatural que consiste em perseverar na paciência e na humildade, na desconfiança de si mesmo e no desejo único de agradar a Deus. Também acontece que, quando não encontram prazer neste ou naquele exercício de piedade, sentem um desgosto extremo; sentem repugnância em se entregarem de novo a esse exercício e, às vezes, chegam ao ponto de o abandonar. São, como já dissemos, parecidos com crianças pequenas; não se movem nem actuam de acordo com a razão, mas de acordo com a sensualidade. Passam todo o tempo à procura e alegria e das consolações espirituais. Nunca se fartam de ler; escolhem meditação após meditação; numa palavra, perseguem os seus próprios prazeres nas coisas de Deus. Assim, na Sua providência cheia de justiça, moderação e amor, Deus recusa-lhos porque sem isso a sua gula e a sua intemperança arrastá-los-iam para males sem fim. É-lhes muito necessária a entrada na noite obscura de que teremos de falar, a fim de nela se purificarem de todos esses infantilismos.
A Noite Obscura [Noche oscura del alma]
Página 59
São João da Cruz
1579 dC
Editora: Estampa
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