Verba volant, scripta manent, dizia a sabedoria dos antigos. Era a chamada de atenção para a responsabilidade do que fica escrito, contra a volubilidade do falar. Mas era também, para o nosso repouso, a certeza de que os escritos estavam aí, a toda a hora da nossa visita. Simplesmente as palavras hoje não “voam” e permanecem também nos registos magnéticos e a vozearia multiplica-se assim até à surdez. E opostamente os escritos tendem a esquecer-se, sobretudo os dos jornais, que são uma variante do falatório. Além de que nos é possível e mais fácil substituir pelas palavras que voam a escrita que já não fazemos. Quantas cartas o telefone te dispensou de escrever? Mas o próprio livro é quase sempre para “ler mais tarde”. E os chamado “livros de cabeceira” não se entende que não sejam senão para facilitarem o sono. A estante ainda é um móvel de adorno e de prestígio como outros móveis de uso e distinção. Mas a sua utilidade pouco vai além disso. O homem simplificou-se com a atrofia das faculdades que vai pondo fora de uso, como os músculos que não trabalham. Uma breve frase que leias mobiliza-te uma data de faculdades que tens de pôr em movimento. Mas a imagem imediata substitui tudo, ou seja, põe-nas de lado. E o falar, quase tanto. Assim, a escrita “voa” hoje como as palavras que já não voarão porque o registo as pode fixar. Que balbúdia para o futuro. Que silêncio para o futuro.
Pensar
Página 340
Vergílio Ferreira
1992 dC
Editora: Bertrand
Pensar
Página 340
Vergílio Ferreira
1992 dC
Editora: Bertrand
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