Vivemos numa sociedade em que a solidão se tornou numa das feridas mais dolorosas. A competição e a rivalidade que impregnam as nossas vidas, desde o nascimento, criaram em nós uma percepção muito acentuada do nosso isolamento. Esta percepção deixou, por sua vez, muitas pessoas com uma ansiedade exacerbada e um desejo imenso de experimentar a unidade e a comunhão. Levou também as pessoas a inquirir de novo como é que o amor, a amizade e a irmandade as pode libertar do isolamento e proporcionar-lhes um sentido de intimidade e de pertença. Tudo à nossa volta nos fala de como os habitantes do mundo ocidental tentam escapar a essa solidão. A psicoterapia, os diversos institutos que proporcionam experiências de grupo com técnicas de comunicação verbais e não-verbais, cursos de Verão e conferências patrocinadas por intelectuais, educadores e «curiosos» onde as pessoas podem partilhar problemas comuns, inúmeras experiências que procuram criar liturgias íntimas, onde a paz não é apenas anunciada mas também sentida - estes fenómenos populares, que despontam de modo crescente, são todos sinais de uma tentativa dolorosa de derrubar os muros paralisantes da solidão.
Mas quanto mais penso na solidão mais me convenço que o ferimento da solidão é como o Grand Canyon - uma incisão profunda na superfície da nossa existência, que se tornou numa fonte inesgotável de beleza e de autocompreensão.
Por conseguinte, gostaria de proclamar, com clareza e de modo audível, o que pode parecer impopular e talvez até perturbador: o modo de vida cristão não afasta de nós a solidão; protege-a, acarinha-a como um dom precioso. Por vezes parece que fazemos o possível e o impossível para evitar um confronto doloroso com a nossa solidão humana fundamental, e permitimos a nós próprios enredarmo-nos com falsos deuses que prometem satisfação imediata e alívio rápido. Mas talvez a percepção penosa da nossa solidão seja um convite a transcender as nossas limitações e a olhar para além dos limites da nossa existência. A percepção da solidão pode ser um dom que devemos proteger e guardar, porque a nossa solidão nos revela um vazio interior que pode ser destrutivo quando mal compreendido, mas repleto de promessas para quem for capaz de tolerar a sua suave dor.
Quando somos impacientes, quando desejamos desistir cedo demais da nossa solidão e tentamos ultrapassar a separação e a sensação de não acabado que sentimos, relacionamo-nos facilmente com o nosso mundo humano movidos por expectativas devastadoras. Ignoramos o que já sabemos com um conhecimento intuitivo e profundamente instalado - que nenhum amor ou amizade, nenhum abraço íntimo ou beijo terno, nenhuma comunidade, comuna ou colectividade, nenhum homem ou mulher, poderá jamais satisfazer o nosso desejo de sermos libertados da nossa condição solitária. Esta verdade é de tal modo desconcertante e penosa que estamos mais rapidamente dispostos a entregarmo-nos às nossas fantasias do que a encarar a verdade da nossa existência. Assim, continuamos à espera de um dia encontrar o homem que compreenda realmente as nossas experiências, a mulher que traga a paz à nossa vida insatisfeita, o emprego onde possamos realizar o nosso potencial, o livro que irá explicar tudo, e o lugar onde nos sintamos realmente em casa. Tais falsas esperanças levam-nos a fazer exigências esgotantes e preparam-nos para a hostilidade amarga e perigosa, quando começamos a perceber que nada nem ninguém é capaz de satisfazer inteiramente as nossas expectativas absolutistas.
Muitos casamentos são destruídos porque nenhum dos cônjuges foi capaz de preencher a esperança, muitas vezes escondida e inconfessada, de que o outro afastasse definitivamente a solidão. E muitos celibatários vivem no sonho ingénuo de que na intimidade do casamento a sua solidão terminaria.
Quando o ministro vive com estas falsas esperanças e ilusões, impede-se a si próprio de reclamar a sua própria solidão como fonte de compreensão humana, e é incapaz de proporcionar um serviço realmente eficaz às inúmeras pessoas que não compreendem o seu próprio sofrimento.
O curador ferido [The wounded healer]
Página 101
Henri Nouwen
1979 dC
Editora: Paulinas
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