(...)
Ao falar deste desejo pelo nosso país distante, que encontramos em nós até mesmo agora, sinto uma certa timidez. Estou praticamente a cometer uma indecência. Estou a tentar dilacerar o segredo inconsolável em cada um de vocês – o segredo que magoa tanto que se vingam dele a chamar-lhe nomes como Nostalgia, Romantismo ou Adolescência; também o segredo que nos atravessa com tanta doçura que, numa conversa mais íntima, a sua menção torna-se iminente, sentimo-nos encavacados e fingimos que nos rimos de nós próprios; o segredo que não conseguimos esconder e que não conseguimos contar, embora desejemos fazer ambos. Não conseguimos contá-lo porque é o desejo por algo que nunca realmente surgiu na nossa experiência. Não conseguimos escondê-lo porque a nossa experiência está constantemente a sugeri-lo, e traímo-nos como amantes ao ouvir a referência a um certo nome.
O nosso expediente mais vulgar é chamar-lhe Beleza e comportar-mo-nos se isso resolvesse o assunto. O expediente de Wordsworth era identificá-lo com certos momentos do seu passado. Mas tudo isso é treta. Se Wordsworth tivesse regressado a esses momentos no passado, não encontraria a coisa em si mesma, mas apenas a lembrança dela; o que ele se lembrava acabaria por se tornar também uma lembrança. Os livros ou a música em que pensávamos que a Beleza estava localizada, trair-nos-ão se lha confiarmos; não estava neles, apenas chegou-nos através deles, e o que veio através deles foi anseio (longing). Estas coisas – a beleza ou a memória do nosso passado – são boas imagens do que realmente desejamos; mas se forem confundidas pela própria coisa, tornam-em em ídolos tontos, destroçando os corações dos seus adoradores. É que elas não são a própria coisa; são apenas o aroma de uma flor que não encontrámos, o eco de uma melodia que não ouvimos, notícias de um país que até hoje nunca visitámos.
Pensam que estou a tentar tecer um feitiço? Talvez esteja; mas lembrem-se dos contos de fadas. Feitiços tanto são usados para quebrar encantamentos como para induzi-los. E eu e vocês temos necessidade do feitiço mais potente que se conseguir encontrar para nos acordar do encantamento maligno de mundanismo que nos tem sido lançado desde há quase cem anos. Quase toda a nossa educação tem sido direccionada para silenciar esta tímida, persistente, voz interior; quase todas as nossas filosofias modernas foram construídas para nos convencer que o bem do homem é para ser encontrado neste mundo.
E ainda assim, é assinalável que filosofias como as do Progresso ou da Evolução Criativa comportam elas próprias um testemunho relutante da verdade de que a nossa verdadeira meta existe noutro lugar. Quando eles querem convencer-vos de que este mundo é o vosso lar, reparem em como é que apresentam as coisas. Começam por tentar persuadir-nos que este mundo pode ser transformado no Céu, alimentando, portanto, a vossa sensação de exílio neste mundo como ele é actualmente. Depois, dizem-vos que este evento afortunado é ainda assim um bom caminho para o futuro, alimentando a tua consciência de que a tua pátria não é aqui e agora. Finalmente, temendo que o vosso anseio pelo transtemporal desperte e dê cabo do plano, usam qualquer retórica que esteja mais à mão para manter afastada da vossa mente a recordação de que mesmo que toda a felicidade que prometeram fosse alcançada pelo homem neste mundo, ainda assim cada geração perdê-la-ia ao morrer, incluindo a última geração de todas, e esta história toda seria nada, nem sequer uma história, para todo o sempre.
Eis portanto, todo o absurdo que o Sr. Shaw coloca no discurso final de Lilith, e da observação de Bergson de que o elan vital (força vital) é capaz de superar todos os obstáculos, talvez até a morte – como se pudessemos acreditar que qualquer desenvolvimento social ou biológico que venha a acontecer neste planeta virá a atrasar o envelhecimento do sol ou reverter a Segunda Lei da Termodinâmica.
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The Weight of Glory
Ao falar deste desejo pelo nosso país distante, que encontramos em nós até mesmo agora, sinto uma certa timidez. Estou praticamente a cometer uma indecência. Estou a tentar dilacerar o segredo inconsolável em cada um de vocês – o segredo que magoa tanto que se vingam dele a chamar-lhe nomes como Nostalgia, Romantismo ou Adolescência; também o segredo que nos atravessa com tanta doçura que, numa conversa mais íntima, a sua menção torna-se iminente, sentimo-nos encavacados e fingimos que nos rimos de nós próprios; o segredo que não conseguimos esconder e que não conseguimos contar, embora desejemos fazer ambos. Não conseguimos contá-lo porque é o desejo por algo que nunca realmente surgiu na nossa experiência. Não conseguimos escondê-lo porque a nossa experiência está constantemente a sugeri-lo, e traímo-nos como amantes ao ouvir a referência a um certo nome.
O nosso expediente mais vulgar é chamar-lhe Beleza e comportar-mo-nos se isso resolvesse o assunto. O expediente de Wordsworth era identificá-lo com certos momentos do seu passado. Mas tudo isso é treta. Se Wordsworth tivesse regressado a esses momentos no passado, não encontraria a coisa em si mesma, mas apenas a lembrança dela; o que ele se lembrava acabaria por se tornar também uma lembrança. Os livros ou a música em que pensávamos que a Beleza estava localizada, trair-nos-ão se lha confiarmos; não estava neles, apenas chegou-nos através deles, e o que veio através deles foi anseio (longing). Estas coisas – a beleza ou a memória do nosso passado – são boas imagens do que realmente desejamos; mas se forem confundidas pela própria coisa, tornam-em em ídolos tontos, destroçando os corações dos seus adoradores. É que elas não são a própria coisa; são apenas o aroma de uma flor que não encontrámos, o eco de uma melodia que não ouvimos, notícias de um país que até hoje nunca visitámos.
Pensam que estou a tentar tecer um feitiço? Talvez esteja; mas lembrem-se dos contos de fadas. Feitiços tanto são usados para quebrar encantamentos como para induzi-los. E eu e vocês temos necessidade do feitiço mais potente que se conseguir encontrar para nos acordar do encantamento maligno de mundanismo que nos tem sido lançado desde há quase cem anos. Quase toda a nossa educação tem sido direccionada para silenciar esta tímida, persistente, voz interior; quase todas as nossas filosofias modernas foram construídas para nos convencer que o bem do homem é para ser encontrado neste mundo.
E ainda assim, é assinalável que filosofias como as do Progresso ou da Evolução Criativa comportam elas próprias um testemunho relutante da verdade de que a nossa verdadeira meta existe noutro lugar. Quando eles querem convencer-vos de que este mundo é o vosso lar, reparem em como é que apresentam as coisas. Começam por tentar persuadir-nos que este mundo pode ser transformado no Céu, alimentando, portanto, a vossa sensação de exílio neste mundo como ele é actualmente. Depois, dizem-vos que este evento afortunado é ainda assim um bom caminho para o futuro, alimentando a tua consciência de que a tua pátria não é aqui e agora. Finalmente, temendo que o vosso anseio pelo transtemporal desperte e dê cabo do plano, usam qualquer retórica que esteja mais à mão para manter afastada da vossa mente a recordação de que mesmo que toda a felicidade que prometeram fosse alcançada pelo homem neste mundo, ainda assim cada geração perdê-la-ia ao morrer, incluindo a última geração de todas, e esta história toda seria nada, nem sequer uma história, para todo o sempre.
Eis portanto, todo o absurdo que o Sr. Shaw coloca no discurso final de Lilith, e da observação de Bergson de que o elan vital (força vital) é capaz de superar todos os obstáculos, talvez até a morte – como se pudessemos acreditar que qualquer desenvolvimento social ou biológico que venha a acontecer neste planeta virá a atrasar o envelhecimento do sol ou reverter a Segunda Lei da Termodinâmica.
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The Weight of Glory
C. S. Lewis
1942 dC
1942 dC
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