(...)
Façam eles como quiserem, nós continuamos conscientes de um desejo que nenhuma felicidade natural satisfará. Mas há alguma razão para supor que a realidade oferece qualquer possibilidade de o satisfazer? "Nem estar com fome prova que temos o pão". Mas penso que pode ser salientado que isto é não perceber o que importa. A fome física de um homem não prova que ele vá ter algum pão; ele poderá morrer de fome numa jangada no Atlântico. Mas seguramente que a fome de um homem prova que ele provém de uma raça que repara o seu corpo quando come e habita um mundo onde existem substâncias comestíveis. Da mesma maneira, embora não acredite (quem me dera acreditar) que o meu desejo pelo Paraíso prove que eu vá desfrutar dele, penso que é uma indicação razoavelmente boa de que existe, e que alguns homens para lá irão. Um homem pode amar uma mulher e não conquistá-la; mas seria muito estranho se o fenómeno a que chamamos "apaixonar" ocorresse num mundo assexuado.
Então, eis o desejo, ainda a vaguear e incerto do seu objecto, e ainda largamente incapaz de olhar na direcção onde esse desejo realmente se encontra. Os nossos livros sagrados dão-nos alguma descrição do objecto. É, obviamente, uma descrição simbólica. O Céu é, por definição, exterior à nossa experiência, mas todas as descrições inteligíveis devem ser feitas a partir de coisas internas à nossa experiência. A imagem do Céu nas escrituras é, portanto, apenas tão simbólica quanto a imagem que o nosso desejo, sem ajudas, inventa para si mesmo; o Céu não está realmente cheio de jóias mais do que poderia estar da beleza da Natureza, ou de uma bela peça musical. A diferença é que a imagética das escrituras tem autoridade. Chegou até nós através de escritores que foram mais próximos de Deus do que nós, e aguentou o teste da experiência dos Cristãos ao longo dos séculos. O apelo natural que esta imagética autoritativa tem para mim é, à primeira vista, bastante reduzido. À primeira vista esfria, mais do que desperta, o meu desejo. E isso é apenas o que eu devia esperar. Se o Cristianismo não conseguisse dizer-me acerca da terra distante mais do que o meu temperamento já me tinha levado a presumir, então o Cristianismo não seria mais elevado do que eu próprio. Se tem mais para me dar, devo esperar que seja menos atraente no imediato do que "as minhas cenas". Ao inicio Sófocles pode parecer enfadonho e frio para o rapaz que só atingiu o Shelley. Se a nossa religião é uma coisa objectiva, então nunca devemos desviar os nossos olhos daqueles elementos que parecem confusos ou repelentes; porque será precisamente o confuso e o repelente que esconderá o que ainda não sabemos e precisamos de saber.
(...)
The Weight of Glory
Façam eles como quiserem, nós continuamos conscientes de um desejo que nenhuma felicidade natural satisfará. Mas há alguma razão para supor que a realidade oferece qualquer possibilidade de o satisfazer? "Nem estar com fome prova que temos o pão". Mas penso que pode ser salientado que isto é não perceber o que importa. A fome física de um homem não prova que ele vá ter algum pão; ele poderá morrer de fome numa jangada no Atlântico. Mas seguramente que a fome de um homem prova que ele provém de uma raça que repara o seu corpo quando come e habita um mundo onde existem substâncias comestíveis. Da mesma maneira, embora não acredite (quem me dera acreditar) que o meu desejo pelo Paraíso prove que eu vá desfrutar dele, penso que é uma indicação razoavelmente boa de que existe, e que alguns homens para lá irão. Um homem pode amar uma mulher e não conquistá-la; mas seria muito estranho se o fenómeno a que chamamos "apaixonar" ocorresse num mundo assexuado.
Então, eis o desejo, ainda a vaguear e incerto do seu objecto, e ainda largamente incapaz de olhar na direcção onde esse desejo realmente se encontra. Os nossos livros sagrados dão-nos alguma descrição do objecto. É, obviamente, uma descrição simbólica. O Céu é, por definição, exterior à nossa experiência, mas todas as descrições inteligíveis devem ser feitas a partir de coisas internas à nossa experiência. A imagem do Céu nas escrituras é, portanto, apenas tão simbólica quanto a imagem que o nosso desejo, sem ajudas, inventa para si mesmo; o Céu não está realmente cheio de jóias mais do que poderia estar da beleza da Natureza, ou de uma bela peça musical. A diferença é que a imagética das escrituras tem autoridade. Chegou até nós através de escritores que foram mais próximos de Deus do que nós, e aguentou o teste da experiência dos Cristãos ao longo dos séculos. O apelo natural que esta imagética autoritativa tem para mim é, à primeira vista, bastante reduzido. À primeira vista esfria, mais do que desperta, o meu desejo. E isso é apenas o que eu devia esperar. Se o Cristianismo não conseguisse dizer-me acerca da terra distante mais do que o meu temperamento já me tinha levado a presumir, então o Cristianismo não seria mais elevado do que eu próprio. Se tem mais para me dar, devo esperar que seja menos atraente no imediato do que "as minhas cenas". Ao inicio Sófocles pode parecer enfadonho e frio para o rapaz que só atingiu o Shelley. Se a nossa religião é uma coisa objectiva, então nunca devemos desviar os nossos olhos daqueles elementos que parecem confusos ou repelentes; porque será precisamente o confuso e o repelente que esconderá o que ainda não sabemos e precisamos de saber.
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The Weight of Glory
C. S. Lewis
1942 dC
1942 dC
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