(...)
Não estou a esquecer-me do quanto este desejo tão inocente é parodiado nas nossas ambições humanas, ou no quão rapidamente, na minha experiência, o legítimo prazer de agradar aqueles a quem era meu dever agradar se transforme no veneno mortal da auto-admiração. Mas acho que conseguia detectar um instante – um curto, curto instante – antes disto acontecer, durante o qual a satisfação de ter agradado aqueles a quem acertadamente amei, e acertadamente temi, era pura. E isto é suficiente para pensarmos sobre o que pode acontecer quando a alma redimida, para além de toda a esperança, e de quase toda a crença, descobre por fim que agradou Aquele para o qual ela foi criada para agradar. Então, não haverá espaço para vaidade. Será libertada da miserável ilusão de que foi pelo seu esforço. Sem qualquer mancha daquilo a que agora chamamos auto-aprovação, ela irá alegrar-se inocentemente naquilo que Deus a criou para ser, e a ocasião que curará o seu velho complexo de inferioridade para sempre, afogará também o seu orgulho, mais fundo do que o livro de Prospero. A perfeita humildade dispensa modéstia. Se Deus está satisfeito com a obra, a obra pode estar satisfeita consigo própria; "não lhe compete regatear elogios com o Soberano". Consigo imaginar alguém a dizer que não lhe agrada a minha ideia do Céu enquanto um sítio onde recebemos palmadinhas nas costas. Mas por detrás desse desagrado jaz um equívoco movido por orgulho. No fim, aquela Face que é o encanto ou o terror do universo, terá de se voltar para cada um de nós com uma ou outra expressão, conferindo glória inexprimível ou infligindo vergonha que não pode ser curada ou disfarçada. Li num jornal no outro dia que o fundamental é o que pensamos acerca de Deus. Por Deus, não é! O que Deus pensa de nós é não apenas mais importante, mas infinitamente mais importante. De facto, o que pensamos d'Ele não tem importância alguma, excepto na medida em que isso esteja relacionado com o que Ele pensa de nós. Está escrito que "nos apresentaremos diante" d'Ele, compareceremos, seremos inspeccionados. A promessa de glória é a promessa, quase impossível de acreditar e só possível pela obra de Cristo, de que alguns de nós, qualquer um de nós que realmente o escolha, sobreviverá a esse exame, encontrará aprovação, agradará a Deus. Agradar a Deus... ser um ingrediente real na felicidade divina... ser amado por Deus, e ser aceite não apenas por piedade, mas por deleite, da mesma maneira que um artista se deleita na sua obra ou um pai se deleita num filho – parece impossível, um peso ou um fardo de glória que os nossos pensamentos dificilmente conseguem suster. Mas assim é.
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The Weight of Glory
Não estou a esquecer-me do quanto este desejo tão inocente é parodiado nas nossas ambições humanas, ou no quão rapidamente, na minha experiência, o legítimo prazer de agradar aqueles a quem era meu dever agradar se transforme no veneno mortal da auto-admiração. Mas acho que conseguia detectar um instante – um curto, curto instante – antes disto acontecer, durante o qual a satisfação de ter agradado aqueles a quem acertadamente amei, e acertadamente temi, era pura. E isto é suficiente para pensarmos sobre o que pode acontecer quando a alma redimida, para além de toda a esperança, e de quase toda a crença, descobre por fim que agradou Aquele para o qual ela foi criada para agradar. Então, não haverá espaço para vaidade. Será libertada da miserável ilusão de que foi pelo seu esforço. Sem qualquer mancha daquilo a que agora chamamos auto-aprovação, ela irá alegrar-se inocentemente naquilo que Deus a criou para ser, e a ocasião que curará o seu velho complexo de inferioridade para sempre, afogará também o seu orgulho, mais fundo do que o livro de Prospero. A perfeita humildade dispensa modéstia. Se Deus está satisfeito com a obra, a obra pode estar satisfeita consigo própria; "não lhe compete regatear elogios com o Soberano". Consigo imaginar alguém a dizer que não lhe agrada a minha ideia do Céu enquanto um sítio onde recebemos palmadinhas nas costas. Mas por detrás desse desagrado jaz um equívoco movido por orgulho. No fim, aquela Face que é o encanto ou o terror do universo, terá de se voltar para cada um de nós com uma ou outra expressão, conferindo glória inexprimível ou infligindo vergonha que não pode ser curada ou disfarçada. Li num jornal no outro dia que o fundamental é o que pensamos acerca de Deus. Por Deus, não é! O que Deus pensa de nós é não apenas mais importante, mas infinitamente mais importante. De facto, o que pensamos d'Ele não tem importância alguma, excepto na medida em que isso esteja relacionado com o que Ele pensa de nós. Está escrito que "nos apresentaremos diante" d'Ele, compareceremos, seremos inspeccionados. A promessa de glória é a promessa, quase impossível de acreditar e só possível pela obra de Cristo, de que alguns de nós, qualquer um de nós que realmente o escolha, sobreviverá a esse exame, encontrará aprovação, agradará a Deus. Agradar a Deus... ser um ingrediente real na felicidade divina... ser amado por Deus, e ser aceite não apenas por piedade, mas por deleite, da mesma maneira que um artista se deleita na sua obra ou um pai se deleita num filho – parece impossível, um peso ou um fardo de glória que os nossos pensamentos dificilmente conseguem suster. Mas assim é.
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The Weight of Glory
C. S. Lewis
1942 dC
1942 dC
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