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E agora reparem no que está a acontecer. Se eu tivesse rejeitado a imagem escritural e autoritativa de glória, e ficado obstinadamente bloqueado no desejo vago que, no início, era a minha única pista para o Céu, poderia não ter encontrado de todo a ligação entre esse desejo e a promessa cristã. Mas agora, tendo seguido nos textos sagrados o que parecia ser confuso e repelente, descubro, para minha grande surpresa, olhando para trás, que a ligação é claríssima. Glória, aquela pela qual o Cristianismo me ensina a esperar, satisfaz afinal o meu desejo original e, na verdade, revela um elemento desse desejo em que eu não tinha reparado. Ao deixar de considerar, por um momento, o meu próprio querer, comecei a perceber melhor o que eu realmente queria. Quando tentei, há alguns minutos atrás, descrever os nossos anseios espirituais, acabei por omitir uma das suas características mais curiosas. Geralmente reparamos nela assim que a visão esmorece, que música termina, ou que a paisagem perde a sua luz celestial. O que sentimos nesses momentos foi bem descrito por Keats como "a jornada de regresso ao eu habitual". Vocês sabem o que quero dizer. Por breves minutos temos a ilusão de que pertencemos àquele mundo. Depois acordamos e percebemos que tal não acontece. Fomo meros espectadores. A beleza sorriu-nos, mas não nos recebeu; a sua face virou-se na nossa direcção, mas não nos viu. Não fomos aceites, acolhidos ou convidados a dançar. Podemos ir quando nos apetecer, podemos ficar se conseguirmos: "Ninguém nos ouve". Um cientista poderá responder que como a maior parte das coisas a que chamamos belas é inanimada, não é lá muito surpreendente que elas não reparem em nós. Como é óbvio, isso é verdade. Não é do objecto físico que vos estou a falar, mas daquela qualquer coisa indescritível da qual ele se torna mensageiro por um momento. E parte da amargura que se mistura com a doçura da mensagem deve-se ao facto de que tão raramente a mensagem parece ser dirigida a nós, mas dirigida sim a alguma coisa de que ouvimos falar. Por amargura, quero dizer dor, não ressentimento. Não nos devemos atrever a pedir para ser objecto de atenção. No entanto definhamos. A sensação de que somos tratados como estrangeiros neste universo, o anseio de sermos reconhecidos, de recebermos algum tipo de reacção, de contruir pontes sobre os abismos que crescem entre nós e a realidade, é parte do nosso segredo inconsolável. E seguramente que, deste ponto de vista, a glória, no sentido descrito, se torna altamente relevante para o nosso desejo. Porque glória significa boa reputação junto de Deus, aceitação por parte de Deus, resposta, reconhecimento e ser acolhido no coração das coisas. A porta em que temos batido a nossa vida toda abrir-se-á finalmente.
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The Weight of Glory
E agora reparem no que está a acontecer. Se eu tivesse rejeitado a imagem escritural e autoritativa de glória, e ficado obstinadamente bloqueado no desejo vago que, no início, era a minha única pista para o Céu, poderia não ter encontrado de todo a ligação entre esse desejo e a promessa cristã. Mas agora, tendo seguido nos textos sagrados o que parecia ser confuso e repelente, descubro, para minha grande surpresa, olhando para trás, que a ligação é claríssima. Glória, aquela pela qual o Cristianismo me ensina a esperar, satisfaz afinal o meu desejo original e, na verdade, revela um elemento desse desejo em que eu não tinha reparado. Ao deixar de considerar, por um momento, o meu próprio querer, comecei a perceber melhor o que eu realmente queria. Quando tentei, há alguns minutos atrás, descrever os nossos anseios espirituais, acabei por omitir uma das suas características mais curiosas. Geralmente reparamos nela assim que a visão esmorece, que música termina, ou que a paisagem perde a sua luz celestial. O que sentimos nesses momentos foi bem descrito por Keats como "a jornada de regresso ao eu habitual". Vocês sabem o que quero dizer. Por breves minutos temos a ilusão de que pertencemos àquele mundo. Depois acordamos e percebemos que tal não acontece. Fomo meros espectadores. A beleza sorriu-nos, mas não nos recebeu; a sua face virou-se na nossa direcção, mas não nos viu. Não fomos aceites, acolhidos ou convidados a dançar. Podemos ir quando nos apetecer, podemos ficar se conseguirmos: "Ninguém nos ouve". Um cientista poderá responder que como a maior parte das coisas a que chamamos belas é inanimada, não é lá muito surpreendente que elas não reparem em nós. Como é óbvio, isso é verdade. Não é do objecto físico que vos estou a falar, mas daquela qualquer coisa indescritível da qual ele se torna mensageiro por um momento. E parte da amargura que se mistura com a doçura da mensagem deve-se ao facto de que tão raramente a mensagem parece ser dirigida a nós, mas dirigida sim a alguma coisa de que ouvimos falar. Por amargura, quero dizer dor, não ressentimento. Não nos devemos atrever a pedir para ser objecto de atenção. No entanto definhamos. A sensação de que somos tratados como estrangeiros neste universo, o anseio de sermos reconhecidos, de recebermos algum tipo de reacção, de contruir pontes sobre os abismos que crescem entre nós e a realidade, é parte do nosso segredo inconsolável. E seguramente que, deste ponto de vista, a glória, no sentido descrito, se torna altamente relevante para o nosso desejo. Porque glória significa boa reputação junto de Deus, aceitação por parte de Deus, resposta, reconhecimento e ser acolhido no coração das coisas. A porta em que temos batido a nossa vida toda abrir-se-á finalmente.
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The Weight of Glory
C. S. Lewis
1942 dC
1942 dC
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