Será que aquela ordem parecera completamente irracional a Abraão? A interpretação feita por Kierkegaard deste episódio não toma em conta o significado do filho primogénito, segundo o pensamento e simbolismo judeus. Jon Levenson, erudito judeu, professor em Harvard, escreveu A morte e a ressurreição do filho amado. Nesse volume, ele recorda-nos que as culturas antigas não eram tão individualistas como a nossa. As esperanças e os sonhos das pessoas nunca tinham a ver com o seu êxito, prosperidade ou proeminência pessoais. Como toda a gente fazia parte de uma família, e ninguém vivia separado da sua, essas coisas só se procuravam para o clã inteiro. Devemos lembrar ainda a antiga lei da primogenitura. O filho mais velho recebia a maior parte das terras e dos bens, para que a família não perdesse o seu lugar na sociedade.
Numa cultura individualista como a nossa, a identidade e o sentido de valor de um adulto está, muitas vezes, envolto das suas capacidades e realizações, mas na Antiguidade, todas as esperanças e sonhos de um homem e da sua família repousavam sobre o primogénito varão. O apelo a desistir do filho primogénito é apenas comparável a um cirurgião que desiste de usar as suas mãos, ou a um artista visual que perde o uso dos seus olhos.
Falsos Deuses
página 36
Timothy Keller
2009 dC
Editora: Paulinas
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