Sustentei em After Babel (1975) que a multiplicidade de milhares de línguas mutuamente ininteligíveis outrora faladas nesta Terra - e das quais muitas desapareceram hoje, ou se encontram em vias de extinção - não é, como as mitologias e alegorias do desastre entendem, uma maldição. São, pelo contrário, uma bênção de um motivo de regozijo. Cada uma, entre todas as línguas, é uma janela que abre sobre ser, sobre a criação. Uma janela como nenhuma outra. Não há línguas «menores», por reduzido que seja o seu quadro demográfico ou o seu meio. Certas línguas faladas no Deserto do Calahari traçam ramificações do conjuntivo mais numerosas e mais sutis do que as que encontramos em Aristóteles. As gramáticas hopi possuem cambiantes temporais e de movimento que se conjugam melhor com a física da relatividade e da indecidibilidade do que os nossos próprios recursos indo-europeus e anglo-saxónicos. Graças às raízes e ao desenvolvimento culturais e psicológicos incorporados no seu interior - raízes que também no sentido etimológico se prolongam até ao inconsciente -, cada língua diz a sua identidade e a sua experiência em termos próprios e irredutivelmente particulares. Segmenta o tempo segundo múltiplas unidades diferentes. São numerosas as gramáticas que não dividem formalmente os tempos verbais em passado, presente e futuro. A stasis das formas verbais do hebraico envolve uma metafísica e, de facto, um modelo teológico da história. Há línguas nos Andes, por exemplo, em que, muito razoavelmente, o futuro está atrás do locutor uma vez que é invisível, enquanto os horizontes do passado permanecem visíveis diante dele (há aqui analogias intrigantes com a ontologia de Heidegger).
Os livros que não escrevi [My unwritten books]
Página 97
George Steiner
2008 dC
Editora: Gradiva
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