O espaço, que é uma construção social não menos do que neurofisiológica, é linguísticamente cartografado e inflectido. As línguas habitam-no diferentemente. Através da sua «cartografia» e da nomeação das coisas, as comunidades linguísticas em causa sublinham ou elidem contornos e traços variáveis. O espectro das distinções precisas entre diferentes tonalidades e texturas da neve nas línguas de esquimós, o rol das cores que diferenciam as pelagens dos cavalos no falar dos gaúchos argentinos, são dois exemplos paradigmáticos. Os dialetos da Grã-Bretanha produzem mais do que cem palavras e expressões que designam os esquerdinos. A equação entre a mão esquerda (sinistra) e o mal atravessa as culturas mediterrânicas. A antropologia estrutural ensinou-nos que os conceitos e as identificações que se referem às relações de parentesco são inelutavelmente linguísticos. Até noções tão fundamentais como parentesco ou incesto dependem das taxinomias, de uma codificação lexical e sintática inseparável das opções - coletivas, económicas, históricas, rituais - anunciadas pelo discurso. Verbalizamos, «fraseamos», como faz a música, as nossas relações connosco próprios e com os outros. "Eu" e "tu" são factos sintáticos. Há vestígios linguísticos de casos em que esta distinção se tolda, como, pode exemplo, no dual do grego arcaico. Embora possa assumir registos «surrealistas», a gramática dos nossos sonhos é linguisticamente organizada e diversificada muito para além das províncias social e historicamente circunscritas da psicanálise. Como seria enriquecedor termos pesadelos ou sonhos orgásticos, por exemplo, em albanês.
Os livros que não escrevi [My unwritten books]
Página 98
George Steiner
2008 dC
Editora: Gradiva
Comentários