Daí que haja uma perda verdadeiramente irreparável, uma diminuição dos possíveis humanos, quando uma língua morre. Com a sua morte, não é só uma memória de gerações única e vital - os tempos do passado ou os seus equivalentes -, não é só uma paisagem, realista ou mítica, ou um calendário que se apaga, mas também as suas configurações de um futuro concebível. Uma janela fecha-se sobre o nada. A extinção das línguas que hoje testemunhamos - todos os anos dúzias delas calam-se sem remédio - é precisamente homóloga da devastação da fauna e da flora, mas em termos ainda mais definitivos. As árvores podem ser plantadas de novo, o ADN das espécies animais pode, pelo menos em parte, ser conservado e talvez reativado. Uma língua morta continua morta ou sobrevive como relíquia pedagógica no jardim zoológico das universidades. O resultado é um empobrecimento drástico na ecologia do psiquismo humano. A verdadeira catástrofe de Babel não é a divisão das línguas: é a redução do discurso humano a meia dúzia de línguas «multinacionais» planetárias. Esta redução, formidavelmente potenciada pelo mercado de massa e pela tecnologia da informação, está hoje a remodelar o globo. A megalomania tecnocrático-militar, os imperativos da avidez mercantil, estão a tornar o vocabulário e a gramática de um anglo-americano estandardizado num novo esperanto. Devido às suas dificuldades, o chinês não poderá usurpar esta triste soberania. E quando a Índia o fizer, a sua língua será já uma variante do anglo-americano. Por isso houve um simulacro tão inquietante como infame do mistério de Babel na queda das torres gémeas do World Trade Center no 11 de Setembro.
Os livros que não escrevi [My unwritten books]
Página 100
George Steiner
2008 dC
Editora: Gradiva
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