Não deveria nos surpreender ou nos assustar que todas as culturas possuem mitos sobre a criação, lendas sobre o dilúvio e conceitos rituais similares. Deveríamos esperar isso. E não devemos tremer diante do erudito moderno que vê a invenção histórica em origens míticas. O facto de haver uma similaridade entre o mito no cristianismo e em outras religiões não significa que o cristianismo está em pé de igualdade com essas religiões ou subordinado a um monomito cristão mais genérico. O próprio cristianismo é a verdadeira encarnação do monomito na história, e as outras mitologias o reflectem e o distorcem, como se fossem espelhos sujos ou quebrados.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
Comentários