Não foi preciso muito tempo para que todas as colinas escalvadas entre King City e San Ardo fossem divididas entre famílias miseráveis, espalhadas pelos montes, lutando furiosamente para arrancar a subsistência ao solo pedregoso. Essa gente partilha com os coiotes uma vida de desespero, na extremidade do mundo do vale. Tinham chegado sem um chavo, sem material, sem ferramentas, ignoravam as técnicas da agricultura a aplicar nesse país novo para eles. Pergunto a mim mesmo se eram divinamente estúpidos ou se viviam animados por uma fé imensa. Seja como for, uma aventura colectiva de tal importância não deve reproduzir-se todos os dias neste pobre globo. As famílias cresceram e multiplicaram-se. Possuíam uma ferramenta ou uma arma que já não se sabe utilizar em nossos dias. Talvez alguém ainda a consiga descobrir. Diz-se que essas pessoas obtinham de um Deus justo e bom a força para viver e que os outros problemas se resolviam por si. Mas eu creio que é porque tinham confiança em si próprios, na sua qualidade de homens, porque sabiam ser, para lá da dúvida, sólidas entidades morais, pelo que podiam oferecer a Deus a sua coragem e a sua dignidade, recebendo-a novamente d’Ele, mas mais fortalecida. Se tais coisas desapareceram é talvez por os homens já não confiarem em si próprios. E se assim é, a única solução que lhes resta é procurarem um homem forte, ignorando a dúvida, e, mesmo que ele não tenha razão, agarrarem-se-lhe às abas do casaco.
A Leste do Paraíso [East of Eden]
Página 18
John Steinbeck
1952 dC
Editora: Livros do Brasil
Comentários