Felizmente, o excesso do gozo tanto debilita a imaginação como a faculdade de julgar. O sofrimento dorme então com a virilidade e tão longamente como ela. Pelas mesmas razões, os adolescentes perdem com a primeira amante a inquietação metafísica, e certos casamentos, que são deboches burocratizados, tornam-se, ao mesmo tempo, os monótonos carros mortuários da audácia e da inventiva. Sim, caro amigo, o casamento burguês pôs o nosso país em pantufas e em breve o porá às portas da morte.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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