Martinho Lutero observou astutamente: 'Três conversões são necessárias: a conversão do coração, a da mente e a da bolsa'. Dessas três, pode muito bem ser que nós, os modernos, achemos a conversão da bolsa a mais difícil. Até mesmo falar sobre dinheiro é difícil para nós. De facto, ouvi contar recentemente acerca de um casal, dois psicólogos, que falava aberta e francamente na frente dos filhos acerca de sexo, morte e todo o tipo de assunto difícil, mas que ia para o quarto e fechava a porta para falar acerca de dinheiro. Numa pesquisa conduzida junto de psicoterapeutas, na qual eles enumeravam coisa que não deviam fazer com os seus pacientes, descobriu-se que emprestar dinheiro a um cliente constituía um tabu maio do que tocar, beijar ou até mesmo ter relações sexuais. Para nós, o dinheiro é, sem dúvida, um assunto proibido.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
Comentários
Se em 1985, ano da publicação do livro, este comentário fazia sentido, quanto mais agora! Acredito que a história do casal de psicólogos se tornou comum nos nossos dias.
O problema do dinheiro está muito bem camuflado. Ouço tanta gente a dizer que o dinheiro não é o mais importante, comprovando o seu suposto desapego ao dinheiro, mas uma parte importante do que fazem envolvem gastar grandes quantias de dinheiro. Se lhes fosse proposto viver com metade do dinheiro habitual, desesperavam. Como se a conversa de Jesus com o jovem rico*, que na Bíblia parece ser apresentado como um caso especial, fosse hoje a norma. Quase como se fosse "mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que 'alguém' entrar no Reino de Deus" (claro que também falo por mim mesmo).
*Mateus 19:16-26