Que vi no amor o meu Cristo
Que me mostraste um amor imprevisto
Que me falaste na pele e no corpo a sorrir
Meus olhos fechados, mudos, espantados
Te ouviram como se apagasses
A luz do dia ou a luta de classes
Meus olhos verdes ceguinhos de todo para te servir
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei
Filhos e cadilhos, panelas e fundilhos
Meteste as minhas mãos à obra
E encontraste momentos de sobra
Para evitar que o meu corpo pensasse na vida
Meus olhos fechados, mudos e cansados
Não viam se verso, se prosa
O meu suor era o teu mar de rosas
Meus olhos verdes, janelas de vida fechados por ti
Pegas-me na mão e falas do patrão
Que te paga um salário de fome
O teu patrão que te rouba o que come
Falas contigo sozinho para desabafar
Meus olhos parados, mudos e cansados
Não podem ouvir o que dizes
E fico à espera que me socializes
Meus olhos verdes
Boneca privada do teu bem estar
Sou tua criada boa e dedicada
Na praça, na casa e na cama
Tu só vês quando vestes pijama
Mas não me ouves se digo que quero existir
Meus olhos cansados ficam acordados
De noite chorando esta sorte
De ser escrava prá vida e prá morte
Meus olhos verdes
Vermelhos de raiva para te servir
A tua vontade, justiça igualdade
Não chega aqui dentro de casa
Eu só te sirvo para a maré vaza
Mas eu já sinto a minha maré cheia a subir
Meus olhos cansados abrem-se espantados
Prá vida de que me falavas
Pra combater contra os donos de escravas
Meus olhos verdes
Que te vão falar e que tu vais ouvir
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Sei aquilo que fui e que jamais serei
Intérprete: José Mário Branco
1972 dC
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