- Amor vivo? Esta é uma questão e que questão! Veja: amo tanto a humanidade que às vezes, imagine, sonho abandonar tudo, tudo o que tenho, abandonar a Lise e ir servir como enfermeira. Fecho os olhos, penso e sonho, e nesses instantes sinto em mim uma força invencível. Não haveria feridas, não haveria chagas purulentas que me assustassem. Faria as ligaduras e limparia as feridas com as minhas próprias mãos, seria a enfermeira de vela para todos esses sofredores, estou pronta a beijar essas chagas...
- Já não é mau que a sua mente sonhe com isso e não com outra coisa. Pode mesmo acontecer que a senhora venha realmente a fazer alguma boa acção.
- Sim, mas por quanto tempo aguentaria eu essa vida? - continuava a senhora com ardor, como em frenesi - É esta a questão principal! É a mais torturante das minhas questões. Fecho os olhos e pergunto a mim própria: aguentarias muito tempo nesse caminho? E se o doente a quem lavas as chagas não te responder logo com a gratidão mas, pelo contrário, te atormentar com os seus caprichos, sem dar qualquer valor nem reparar no teu serviço humanitário, se ele te gritar, te exigir com grosseria, se for ao ponto de se queixar aos responsáveis (isto acontece com frequência a quem muito sofre): então, como será? O teu amor perdurará ou não? É que, imagine, dentro de mim já está decidido, com tremor: se existe alguma coisa que possa arrefecer num instante o meu amor «vivo» pela humanidade, essa coisa é, unicamente, a ingratidão. Numa palavra, sirvo pela paga, exijo imediatamente o pagamento, ou seja, exijo louvores e o amor em paga do amor. De outro modo, sou incapaz de amar seja a quem for!
Os Irmãos Karamazov
Os Irmãos Karamazov
Página 76
Fiódor Dostoiévski
1880 dC
Editora: Editorial Presença
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