Quanto ao meu intenso empenho em nunca ter qualquer contacto com os Eldila, não estou bem certo de poder fazer os leitores compreendê-lo. Era algo mais que um prudente desejo de evitar criaturas diferentes da nossa espécie, muito poderosas e muito inteligentes. A verdade é que tudo o que ouvir a respeito deles levava a ligar duas coisas que a mente de cada um de nós têm tendência a manter separadas, e essa ligação produzia um certo choque. Temos tendência a pensar acerca de inteligências não humanas em duas categorias distintas, que rotulamos respectivamente «científicas» e «sobrenaturais». Numa certa disposição de espírito, pensamos nos marcianos do Sr. Wells (muito pouco parecidos com os verdadeiros naturais de Malacandra, diga-se de passagem) ou nos seus selenitas. Noutra disposição de espírito totalmente diferente, divagamos sobre a possibilidade de existirem anjos, fantasmas, fadas e coisas assim. Mas no preciso momento em que somos obrigados a reconhecer uma criatura de qualquer destas classes como real, a distinção começa a tornar-se menos nítida: e quando se trata de uma criatura como um Eldil, a distinção desaparece de todo. Estas coisas não eram animais - nessa medida teriam de ser classificadas no segundo grupo; mas possuíam um certo veículo material cuja presença podia (em princípio) ser verificada cientificamente. Nessa medida pertenciam ao primeiro grupo. A distinção entre natural e sobrenatural de fato desaparecia; e depois de tal acontecer, dávamo-nos conta do enorme conforto que representara - como tinha tornado mais leve o fardo de intolerável estranheza que este universo fez pesar sobre nós, ao fazer a divisão em duas partes e a levar o nosso espírito a nunca pensar em ambas no mesmo contexto. Qual o preço que poderemos ter pago por este conforto na forma de falsa segurança e conformada confusão de pensamento é outra questão.
Perelandra
Página 10
C. S. Lewis
1943 dC
Editora: Europa-América
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