Como é que Deus alimenta as aves? A resposta é que ele não as alimenta! Ou pelo menos de uma forma directa. Não devemos imaginar Deus a alimentar as aves, como alimentamos os nossos animais de estimação em casa, oferecendo-lhes comida dada à mão ou num prato. Não! Jesus foi um atento observador da natureza. Ele sabia que as aves se alimentam sozinhas. Umas são insectívoras. Outras comem bagas, sementes ou fruta. Umas são carnívoras, outras são piscívoras, enquanto ainda outras são necrófagas, predadoras ou piratas. Umas sugam o néctar das flores; outras alimentam-se de lagartas e até mesmo de caracóis! Então que quis Jesus dizer? Ele quis dizer que Deus alimenta as aves indirectamente. Eu fornece-lhes os meios com os quais se alimentam. Mas têm de procurar a sua comida. Como cantou o salmista a Deus: «Todos esperam de ti que lhe dês comida a seu tempo. És tu que lhes dás a comida que eles recolhem...»
Numa passagem paralela, Lucas, no seu evangelho regista, em que Jesus disse, não que «observássemos as aves» em geral mas antes «que reparassem nos corvos em particular» (Lucas 12:24). Os corvos já figuravam de modo proeminente na narrativa veterotestamentária, em que um corvo foi a primeira criatura a ser sou da arca (Génesis 8:6,7) e os corvos foram usados por Deus para alimentar Elias (I Reis 17:1-6). Mais ainda, diz especificamente por duas vezes que Deus alimenta os corvos (Job 38:41; Salmo 147:9) - o que na verdade Ele faz, disponibilizando-lhes a comida, pois a sua dieta é muito variada. Mas mesmo assim, tem de a procurar.
Assim, a fé em Deus não é com incompatível com a cooperação com Deus. Reconhecemos que, em última análise o nosso alimento vem de Deus e agradecemos-lhe correctamente pelo pão diário. Mas continuamos dependentes de agricultores e pescadores e de todo o comércio grossista e retalhista. Igualmente, quando estamos doentes, pedimos a Deus, em oração, que nos cure. Mas se formos sensatos, também consultamos o médico e aceitamos o tratamento que ele recomendar. Hudson Taylor, o grande missionário da China profunda, em meados do século dezanove, que foi também, um notável homem de fé, aprendeu esta lição na sua primeira viagem à China em 1853. Ele prometera à mãe que em todos os temporais, utilizaria um colete de salvação. Mas quando o barco em que seguia enfrentou uma terrível tempestade no Mar da Irlanda e o capitão do veleiro instruiu os passageiros a vestirem em seu colete, Hudson Taylor a princípio pensou que seria falta de fé fazê-lo. Não deveria ele confiar em Deus? Mas enquanto lutava contra esta dúvida, percebeu que a fé não é incompatível com o uso de meios.
«O uso de meios não diminui a nossa fé em Deus», escreveu ele, «e a nossa fé em Deus» não tem de nos impedir o uso dos meios que Ele nos deu para o cumprimento dos Seus propósitos.»
Esta, então, a primeira lição que as aves nos ensinam. A fé e as obras andam de mãos dadas. Não, na verdade, na salvação, que é apenas pela fé. Mas em tudo o mais, tanto confiamos em Deus como assumimos uma acção adequada.
Os Pássaros, Nossos Mestres [The Birds, Our Teachers]
Página 16
John Stott
1999 dC
Editora: Dikaion
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