Começaste por fabricar uma filiação fabulosa, pretendendo que devias o teu nascimento a uma virgem. Em realidade, és originário de um lugarejo da Judeia, filho de uma pobre campónia que vivia do seu trabalho. Esta, culpada de adultério com um soldado, Pantero, foi expulsa por seu marido, carpinteiro de profissão. Expulsa assim e errando aqui e além ignominiosamente, ela deu-o à luz em segredo. Mais tarde, constrangida pela miséria a expatriar-se, foste para o Egipto, aí alugaste os braços por um salário, e , tendo aprendido alguns desses poderes mágicos de que os Egípcios se gabam, voltaste ao teu país e, inchado com os efeitos maravilhosos que sabias provocar, proclamaste-te Deus.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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