"A minha vida teria sido muito mais fácil se eu tivesse tido a cobardia de dizer, 'Bem, está morta', e seguido em frente."
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
Comentários
Só posso ter admiração André Bambersky. É um comportamento completamente contra-corrente no nosso tempo. E não só por a justiça já não ser um valor importante. Imagino que ele tenha tido de ouvir várias vezes as pessoas chegadas a ele a tentar demovê-lo para o seu bem.
E é espectacular que ele tenha infringido a lei para que a lei se cumprisse, em vez de simplesmente executar uma vingança. Como se não tivesse sido movido apenas pelo amor à filha, ou pelo ódio ao assassino, mas também pela fome de justiça. Grande homem.