Se a culpa for nossa, haverá a humilhação do pedido de desculpas, a humilhação mais profunda de fazer restituições onde for possível, e a humilhação mais profunda de todas que é confessar que as feridas que causamos levarão tempo para sarar e não podem facilmente ser esquecidas. Se, por outro lado, não fomos nós quem causou o mal, então talvez tenhamos de suportar o embaraço se reprovar ou repreender a outra pessoa, arriscando, assim, perder a sua amizade. Embora os seguidores de Jesus jamais tenham o direito de recusar perdão, muito menos fazer vingança, não nos é permitido baratear o perdão, oferecendo-o prematuramente onde não houver perdão.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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