O cepticismo típico de um judeu daquele tempo, comparando com os restantes povos da antiguidade, foi ali pressionado de uma forma tão violenta que acabaria por eclodir na divulgação da mensagem cristã, tal como acontece quando retiramos a rolha de uma garrafa de espumante. Por muito que isto possa surpreender o leitor, temos de admitir que os discípulos directos de Jesus não tinham fé alguma. Chamar 'fé' ao que os levou a ultrapassar tudo e todos para anunciarem que Jesus estava afinal vivo é tão adequado como dizer que é preciso ter 'fé' para acreditar na existência da nossa mãe ou do mundo ao nosso redor. Eles não tinham 'fé' em algo que viram e viveram: eles sabiam! De igual modo, também não podiam ter fé sobre aquilo que nunca lhes passaria pela cabeça e os seus comportamentos posteriores foram reflexo disso. A 'fé cristã' de que falavam era, para eles, a do retorno de Jesus e a confiança de que estariam a ser ainda orientados pelo mestre através do 'Consolador' ou Espírito Santo. Mas para 'acreditarem' na sua ressurreição eles não precisavam de fé: eles tinham estado com ele!
Por aqui se percebe que a interpretação espiritual que muitos hoje dão a estes acontecimentos carece de substrato histórico. Não é possível aceitar as teses que, seguindo uma moda já com algumas décadas preferem interpretar as afirmações do apóstolos como querendo referir-se à ressurreição de Jesus 'nos seus corações', como se eles 'sentissem' que os ensinos do mestre teriam voltado a viver 'dentro deles' e que esta 'experiência' podia agora ser 'reproduzida' em todos os que ouvissem a sua mensagem. Por esta altura já é possível compreender o quanto estas sugestões surgem descontextualizadas e que dão até a sensação de que falam de outra coisa qualquer menos da cultura judaica do século I. Aqueles que mais apontam para supostas 'projecções' da comunidade cristã primitiva nas fontes, são os que mais facilmente projectam as categorias espiritualizadas da religiosidade actual, num povo que de modo algum se pode entender dessa forma.
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