No início da minha detenção, no entanto, o mais duro foi virem-me à cabeça pensamentos de homem livre. Por exemplo, sentia, de repente, o desejo de estar numa praia e de correr para o mar. Imaginando o barulho das primeiras ondas sob as plantas dos pés, a entrada do corpo na água, a libertação que era para mim o banho de mar, sentia, de repente, até que ponto as paredes da prisão me cercavam. Mas isto durou apenas alguns meses. Depois, passei a ter unicamente pensamentos de prisioneiro. Aguardava o passeio quotidiano no pátio ou então a visita do advogado.”
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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