Os intelectuais, por exemplo, transformam tudo em objecto de uma observação estranhamente distanciada e não comprometida. Eles preenchem a solidão e a timidez de seus mundos interiores com factos, números e observações diversas que aplacam seu interesse intelectual por informações, como se fossem uma loja de artigos de segunda mão que oferece os seus produtos a vizinhos ou colegas (clientes) interessados ou não. Podem ser cientistas brilhantes ou talvez apenas conheçam todos os jogadores de futebol e o resultado de todos os campeonatos, mas não há muito mais que acrescentar a seu respeito. O coração de cada um deles está atrofiado.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
Comentários