O facto de ainda reter estas ideias hoje, e de elas se terem tornado progressivamente inseparáveis até se entrelaçarem e fundido umas nas outras – tudo isto fortalece a minha feliz certeza de que, longe de emergirem como fenómenos isolados, aleatórios ou esporádicos, estas ideias cresceram de uma raiz comum, de uma vontade fundamental de conhecimento, de uma vontade que vai buscar os imperativos às profundezas e fala uma linguagem cada vez mais específica e exige respostas cada vez mais específicas. Pois nada mais convém a um filósofo. Não temos o direito a qualquer acto isolado: não temos o direito de cometer erros isolados e a descoberta de verdades isoladas está-nos igualmente vedada. Antes, os nossos pensamentos, os nossos valores, os nossos sim e não saem de nós com a mesma necessidade com que uma árvore dá os seus frutos - relacionados e ligados uns aos outros e prova de uma vontade única, de uma saúde única, de uma terra única, de um sol único.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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