O homem desce a avenida nocturna. Empunha um espada numa mão e leva o outro braço caído junto ao corpo. As luzes dos candeeiros reflectem-se fugazmente no metal da lâmina e tornam em espelhos as poças no chão alcatroado. O homem está cansado de não conseguir dormir. Na sua direcção vem uma rapariga envolvida em trapos e de cabeça coberta com um lenço andrajoso.
É de madrugada e os dois são os únicos na avenida. Quando eles se cruzarem, ela vai notar a espada e depois vai notar que a espada está coberta de algo que parece sangue e pedaços de carne. E só quando ele a interpelar e lhe perguntar "Para onde foi o meu deus? Porque não me pode perdoar e voltar a receber?" ela notará que aquele homem enorme não é um homem mas sim um anjo, cujas asas se abrem lentamente sobre si. Da resposta que ela der virá o seu destino, que pode muito bem ser o de corpo despedaçado, como os que ficaram espalhados por ele nos passeios e becos da cidade nas horas que passaram desde que o Sol se pôs.
Blog: Transmissão Especial
Autor: João Leal
2005 dC
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