Se se pode fazer uma crítica à década de sessenta, não é a de que o protesto não tivesse sentido, mas a de que não era suficientemente profundo, no sentido de que não estava enraizado na solidão do coração. Quando apenas a cabeça e as mãos trabalham juntas, logo ficamos dependentes dos resultados da nossa acção e tendemos a desistir quando ele não se materializa. Na solidão do coração, podemos ouvir verdadeiramente as dores do mundo, pois ali podemos reconhecê-las não como dores estranhas, mas como nossas. Ali podemos ver aquilo que é mais universal é mais pessoal, e que nada que é humano nos é estranho. Ali podemos sentir que a cruel realidade da história sem dúvida é a realidade do coração humano, inclusive o nosso, e que o protesto exige primeiramente uma confissão da nossa participação na condição humana. Ali podemos responder.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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