Viver junto com nossos amigos é uma alegria excepcional, mas nossas vidas serão tristes se isso se tornar o objectivo de nossos esforços. Uma equipa harmoniosa, que trabalha em unidade de coração e mente, é um dom dos céus, mas se nosso senso de valor depender dessa situação, seremos pessoas tristes. É com receber cartas de amigos, mas devemos saber viver felizes sem elas. Uma visita é um presente valioso, mas não devemos cair na tentação do mau humor se não houver nenhuma. Telefonemas, “só para dizer olá”, enchem-nos de gratidão, mas quando os esperamos, como uma naeira necessária de sedar nosso medo de sermos deixados de lado, tornamo-nos vítimas fáceis de nossas auto-recriminações. Estamos sempre procurando uma comunidade à qual nos sintamos integrados, mas é importante compreender que estar junto num lugar, numa casa, numa cidade ou num país é apenas secundário para a satisfação de nosso desejo legítimo.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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