- Está a falar com franqueza? Está bem, depois desta sua confissão acredito que é sincera e tem um bom coração. Mesmo que não chegue à felicidade, lembre-se sempre de que está no bom caminho e tente não se desviar dele. O principal é evitar a mentira, qualquer mentira, sobretudo a mentira a si mesma. Esteja de olho nas mentiras que diz, não descure a atenção delas hora a hora, minuto a minuto. Evite também o desgosto pelos outros e por si mesma: o que lhe parece repugnante no seu íntimo purifica-se com o próprio facto de ter reparar nisso. Evite também o medo, embora o medo seja apenas uma consequência da mentira. Nunca desanime com a sua própria fraqueza na busca do amor, e nem sequer tenha muito medo dos seus procedimentos menos bons. Lamento não poder dizer-lhe nada mais consolador, porque o amor vivo, em comparação com o amor sonhado, é uma coisa cruel e assustadora. O amor dos sonhos anseia por uma obra rápida, satisfação imediata e aos olhos de todos. Aqui, é verdade, chega-se ao ponto de sacrificar própria vida, só para que a obra não seja muito demorada, mas rápida, como no palco do teatro, e que toda a gente olha e louve. Ora o amor vivo é trabalho e paciência e, para alguns, toda uma ciência. Mas vaticino-lhe que, mesmo no momento em que vir, horrorizada, que não se aproximou do objetivo, apesar de todos os seus esforços, antes se distanciou ainda mais dele... profetizo-lhe que, nesse mesmo momento, alcançará de súbito o objetivo e verá claramente sobre si a força milagrosa do Senhor que sempre a amou e guiou. Desculpe, mas não posso demorar-me mais a falar consigo, estão à minha espera. Até breve.
A senhora chorava.
Os Irmãos Karamazov
Página 77
Fiódor Dostoiévski
1880 dC
Editora: Editorial Presenç
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