E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
"Examinai tudo. Retende o bem", I Tessalonicenses 5:21
Comentários
Ainda há pouco tempo conversava com alguém precisamente sobre este ponto. Cá faz-se precisamente o contrário: trabalhar pouco durante o horário normal e depois fazer horas-extra para o chefe ver. No fundo, vamos sempre dar ao mesmo ao ponto: menos responsabilidade individual e mais "boas obras" para estar de bem com quem tem o poder. Mas eu quero ser optimista e por isso acho as coisas estão a mudar. Devagarinho, mas estão a mudar.
As acções de uns afectam os outros, arrastam-nos nalguma direcção, seja ela boa ou má. Tu escolheste bem as palavrinhas. É uma questão de "responsabilidade individual", para o bem colectivo.