Ele não era feito para a paz, não podia crer nela. O Céu era uma simples palavra; o Inferno, uma coisa em que podia acreditar. Um cérebro só é capaz daquilo que pode conceber, e não pode conceber aquilo que nunca experimentou: as suas células eram formadas pelo pátio de recreio cimentado da escola, pelo fogão apagado e o homem a agonizar na sala de espera de St. Pancras, pela sua cama no Frank e pela cama paterna. Um terrível sentimento se agitava no seu íntimo: por que não tivera ele a sua oportunidade como os outros, por que não lhe fora dado vislumbrar o Céu, ainda que fosse apenas uma nesga entre as paredes de Brighton?...
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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