Mas, ainda assim, tendes toda a certeza de que o homem se habituará infalivelmente quando desaparecerem por completo alguns hábitos velhos e maus e quando o senso comum e a ciência reeducarem por completo e orientarem por norma a natureza humana. Tendes a certeza de que, então, o homem também deixará de enganar-se voluntariamente e, por assim dizer, não desejará naturalmente desunir a sua vontade dos seus interesses normais. Mais ainda: então, dizem os senhores, a própria ciência ensinará ao homem (embora, a meu ver, isso seja um luxo) que, na realidade, ele não tem vontade nem capricho, nem os teve nunca, e mais não é do que uma espécie de tecla de piano ou pistão do órgão; e que além disso, há no mundo leis da natureza, logo, tudo o que o homem faz não é feito por sua vontade, mas espontaneamente, pelas leis da natureza. Por conseguinte, basta descobrir essas leis da natureza, e o homem nem responsável será pelos seus procedimentos, e ser-lhe-á muito mais fácil sobreviver.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
Comentários