Em vez de fugir do isolamento ou de tentar negá-lo ou esquecê-lo, devemos protegê-lo e transformá-lo numa solidão frutífera. Para viver uma vida espiritual, primeiro devemos ter coragem de entrar no deserto do nosso isolamento e transformá-lo, por meio de esforços subtis e persistentes, num jardim de solidão. Isso exige não só coragem, mas também uma fé sólida. Assim como é difícil acreditar que o árido e desolado deserto pode abrigar infinitas variedades de flores, custa a crer que o nosso isolamento esconde belezas desconhecidas. O movimento do isolamento à solidão, no entanto, é o início de qualquer vida espiritual, pois é o movimento dos sentidos inquietos até ao espírito de em repouso, dos anseios exteriores à busca interior, do apego temoroso ao jogo sem medo.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
Comentários