Numa época de forte ênfase na sensibilidade interpessoal, na qual somos incentivados a explorar nossa capacidade comunicativa e a experimentar várias formas de contacto físico, mental e emocional, muitas vezes somos tentados a acreditar que o sentimento de solidão e tristeza é apenas um sinal de falta de abertura. Às vezes, isso é verdade, e muitos trabalhos de sensibilidade contribuem bastante para alargar a extensão das interacções humanas. Mas a verdadeira abertura para o outro significa também um verdadeiro fechamento, pois apenas quem mantém um segredo pode em segurança partilhar o seu conhecimento. Quando não protegemos com grandes cuidados o nosso mistério interior, não somos capazes de formar uma comunidade. É esse mistério interior que nos atrai uns para os outros e nos permite criar amizades e relações amorosas duradouras. Uma relação íntima não exige apenas abertura mútua, mas também atracção respeitosa e mútua da singularidade de cada um.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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