Digo-o sem ironia: sentar um português numa biblioteca rodeado de livros, numa varanda rodeado de paisagem, numa paisagem rodeado de natureza – é condená-lo ao cativeiro. Se vê uma pequena e pacata vila do Minho, como Âncora ou Cerveira, quer enchê-la de actividade. Se tem um jardim no meio de uma cidade, quer preenchê-lo de barraquinhas de feira e de desfiles. Não lhes bastam nem a beleza das coisas, nem a tranquilidade dos elementos (por oposição às coisas que não o são); é preciso contornar essa 'falta de interesse'.
E por fim, sobre a escuridão dos telhados lustrosos, a luz fria da manhã tépida raia como um suplício do Apocalipse. É outra vez a noite imensa da claridade que aumenta. E outra vez o horror de sempre — o dia, a vida, a utilidade fictícia, a atividade sem remédio. E outra vez a minha personalidade física, visível, social, transmissível por palavras que não dizem nada, usável pelos gestos dos outros e pela consciência alheia. Sou eu outra vez, tal qual não sou. Com o princípio da luz de trevas que enche de dúvidas cinzentas as frinchas das portas das janelas — tão longe de herméticas, meu Deus! -, vou sentindo que não poderei guardar mais o meu refúgio de estar deitado, de não estar dormindo mas de o poder estar, de ir sonhando, sem saber que há verdade nem realidade, entre um calor fresco de roupas limpas e um desconhecimento, salvo de conforto, da existência do meu corpo. Vou sentindo fugir-me a inconsciência feliz com que estou gozando da minha consciência, o modorrar de animal com q...
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